Foto: Daniel Croce
“Haven’t you heard it’s a battle of words?”, questiona a letra de “Us and Them”, clássico do Pink Floyd que dá nome à presente turnê de Roger Waters. O trecho veste como luva o cenário do Brasil de hoje em que, às vésperas da eleição de maior repercussão em sua recente história de democracia, vive um período de confrontos verbais – acentuadíssimo nas redes sociais – e a certeza de dias tão ruins ou piores que os que estamos vivendo, seja pela eleição de um candidato que inspira medo ou pela volta ao poder de um partido que não mais inspira confiança. E se você por acaso achou que veria, logo quem, Roger FUCKING Waters, e sair ileso de seus posicionamentos frente a tudo isso, achou errado, otário.
Para começar, Roger já viveu um bocado. Perdeu o pai na Segunda Guerra Mundial. Desde bem jovem, desenvolveu uma consciência não diria política, mas humana, muito forte. Sobre o palco, está longe de atuar como um insurgente; sua postura é mais de um coach de humanidades, do tipo que busca reforçar no público que o assiste a noção de liberdade individual “no tocante a” não fazer vista grossa ou se dar por satisfeito com o pouco ou o errado. A turnê se chama “Us and Them”, mas o discurso está mais para Us VERSUS Them: a base contra o topo da pirâmide; nós contra quem nos comanda, quem nos representa ou deveria nos representar, e não pensa duas vezes diante da possibilidade de ganhar “un poquito mas”, ainda que isso signifique posicionar seu povo na linha de tiro.
O último álbum de Waters, “Is This the Life We Really Want?” (2017), é um manifesto anti-Trump, e os ataques são mordazes – em “Picture That”, fala-se do “leader with no fucking brains”, e em “Smell the Roses” os alvos são tanto o discurso armamentista como o descaso pelo meio ambiente. O presidente dos Estados Unidos também dá as caras no telão, em montagens que sobrepõem o seu rosto no de Adolf Hitler e o mostram vomitando enquanto a banda executa “Pigs”, canção que a despeito de ter sido gravada pelo Pink Floyd cerca de quatro décadas atrás, soa mais atual do que nunca. Outra canção de “Animals” (1977), “Dogs”, marcou presença, com seus quase vinte minutos, que incluíram uma encenação regada à champanhe cujo objetivo era claro: não, leigo ouvinte, isto não é sobre o melhor amigo do homem.
Mais de dois terços do show, oportunamente dividido em dois atos – no intervalo, mensagens do tipo “resistir é preciso” no telão inflamaram tanto aplausos como vaias – é composto por músicas do cânone floydiano. Por exemplo, de “Dark Side of the Moon” (1973), apenas as instrumentais “On the Run” e “Any Colour You Like” ficaram de fora. Já “Wish You Were Here” (1975) compareceu com a faixa título, com um notável toque messiânico, e “Welcome to the Machine”, cuja crítica às dominações a situa como espécie de preâmbulo a “The Wall”, lançado quatro anos depois. Dele, obviamente, foram extraídas as partes dois e três de “Another Brick in the Wall” – o estádio inteiro cantando, como numa partida de torcida única, ou uma epifania digna da letra de “Imagine”, foi tão de arrepiar quanto as crianças em trajes laranjas com sacos pretos na cabeça (uma referência aos reféns do Estado Islâmico) enfileiradas de uma ponta a outra do palco –, além de “Mother” e “Comfortably Numb”, no bis, quando um prisma gigante e lasers nas cores do arco-íris proporcionaram o maior espetáculo visual do ano.
Antes, porém, Waters chamou ao palco os familiares da vereadora assassinada Marielle Franco e pediu justiça. “Sete meses se passaram e ainda nenhuma resposta?”, questionou. Definitivamente, não era o dia de quem acha que rock e política não têm que andar juntos. Foi histórico. E, sim, por várias razões além da música.
Texto originalmente publicado na Rock Brigade Magazine em 27 de outubro de 2018.
Comentários
Postar um comentário