Entrevista originalmente publicada no site Van do Halen em 9 de fevereiro de 2013.
Marcelo Vieira: Quando começou essa história de quebrar taças ao vivo com a voz?
Jim Gillette: A primeira taça que quebrei foi por acidente. Aconteceu durante a gravação do meu primeiro álbum, “Proud to be Loud”. Meu amigo que estava operando a mesa de som estava bebendo uma taça de vinho e ela se estilhaçou quando dei um grito. Ele me chamou na sala de controle para me mostrar. Achei do caralho! Eu não sabia exatamente como havia acontecido, mas soube de imediato que se tratava de algo bem legal. Tempos depois, passei a quebrar taças ao vivo. Fui convidado pelo Good Morning America e pelo Myth Busters para fazer isso ao vivo, mas estava de férias e todo mundo que me conhece sabe que uma participação em um programa de TV nunca será motivo o bastante para me fazer largar o meu descanso. Ensinei um aluno/amigo chamado Jaime Vendera e ele foi lá, no palco do GMA e fez, ao contrário da cantora de ópera convidada pelo programa, que fracassou! [risos] O rock deu uma lição na ópera naquele dia!
MV: Mas você é egresso da ópera, certo?
JG: Estudei ópera e quase enveredei por este caminho, mas fui fascinado pelo rock ‘n’ roll e acabei me rendendo a ele.
MV: Li que Rob Halford era o seu maior ídolo na adolescência. Pode-se dizer que você o tomou como referência para desenvolver a sua maneira de cantar?
JG: Pode. Rob era muito foda. Ele possuía diferentes timbres e cantava em diversas alturas. Eu amava isso nele. A maioria dos caras canta sempre com a mesma voz e na mesma altura o tempo todo. Ele modificava a voz conforme a música. Ele é o verdadeiro Metal God! Por causa dele eu praticava por horas e horas. Deixei muita gente louca cantando “Breaking the Law”, “The Green Manalishi”, “Electric Eye” e “Freewheel Burning” junto do disco.
MV: Hoje em dia, você se vê como um modelo para cantores iniciantes?
JG: Ensinei muita gente a cantar. Esta é uma parte bem legal da minha história. Muita gente me escreve ou vem falar comigo pessoalmente sobre o quanto eu os ajudei a desenvolver as suas vozes. Tenho muito orgulho de ter podido ajudar tanta gente.
MV: Que conselho você daria a quem está começando a cantar?
JG: Pratique! Muita gente me chama de louco quando eu digo o quanto pratiquei. Eu costumava cantar de oito a dez horas por dia, todos os dias! Deixei muitos vizinhos loucos! [risos] Se você quer ser bom em alguma coisa, você precisa praticar.
MV: Vamos falar um pouco da sua carreira. Sua primeira banda foi o Slut. A demo “Perversion for a Price” é considerada a sua gravação de estreia. O que você tem a dizer sobre este período?
JG: Eu tinha 17, 18 anos. Tive outras bandas antes, mas o Slut é realmente o melhor ponto de partida. Aos 16 anos eu já fazia shows em boates. Eu não tinha idade legal para beber, mas estava lá fazendo shows. Me diverti muito naquela época. Mesmo sendo novo, ainda assim eu era o mais velho! Nosso guitarrista tinha 15 anos. O baixista era um grande amigo meu, Matt Silverman, o Ttam. Eu adorava a banda e o direcionamento louco que estávamos tomando. Matt, que era o cara por trás das letras, vivia por dentro do que rolava fora dos EUA. Ele me apresentou Hanoi Rocks, Wrathchild, Exciter etc. Enfim, muita coisa.
MV: Aí você se mudou para Los Angeles…
JG: Sim, pois era lá que tudo acontecia de verdade. Todas as grandes bandas da época vinham de lá. Tenho sorte de elas não terem vindo do Alasca, pois eu certamente teria me mudado para lá se fosse o caso!
MV: Em relação ao tempo que você ficou com o Tuff, por que não vingou?
JG: O tempo que passei no Tuff foi bem divertido. Michael [Lean], o baterista, era meu melhor amigo e nós vivemos dias de sonho. No fim das contas, só optei por um caminho diferente. Foi uma das melhores épocas da minha vida. Sempre olho para trás com muito orgulho e apreço.
MV: Foi logo em seguida que você conheceu o Michael Angelo Batio numa festa à beira-mar e juntos fundaram o Nitro?
JG: Sim. Eu morava em Venice Beach e ele apareceu numa das muitas festas que rolavam na minha casa. Ele conhecia minha colega de quarto e ela nos apresentou. Ele não quis apertar a minha mão. Tomei isso como uma ofensa, mas depois esclarecemos as coisas. Acabamos nos tornando melhores amigos. Mesmo hoje em dia, nossos laços continuam fortes. É impossível passar por uma experiência como foi com o Nitro e não reter algo duradouro. Foi a época mais intensa, divertida, incrível, fora de série e de partir o coração que já vivi em toda a minha vida.
MV: Pouco tempo depois, Michael tocou no “Proud to be Loud”. É sério que ele foi totalmente gravado em uma garagem ou coisa do tipo?
JG: “Proud to be Loud” foi meu primeiro álbum solo. Muita gente confunde e acha que é um disco do Nitro. A explicação é a seguinte: eu contratei o Michael para tocar no álbum. Eu queria o melhor guitarrista do planeta e, na minha opinião, ele era o cara. A propósito, eu ainda o considero o melhor guitarrista de todos os tempos. Já o vi fazer coisas com a guitarra que fariam qualquer um mijar nas calças. Ele é um verdadeiro gênio da música. Ele é capaz de tocar um dia inteiro, literalmente, todos os dias. Enquanto não estávamos compondo, ele estava lá fritando na guitarra. Criança prodígio. O cara respira música.
MV: Você sentiu que uma banda como o Nitro era exatamente o que você estava procurando naquele momento?
JG: Sem dúvidas. Eu queria levar a música ao extremo e o Nitro fazia exatamente isso. Hoje em dia, soa tão atordoante quanto soava naquela época! [risos] Fui convidado para cantar em várias bandas, mas recusei todos os convites. Eu podia ter enriquecido entrando em qualquer uma delas, mas me mantive fiel. O Nitro foi a minha vida por muitos anos.
MV: Você concorda que o Nitro foi talvez a banda mais extravagante do chamado hair metal?
JG: Sim, definitivamente! E nós amávamos aquilo tudo!
MV: Como a maioria das bandas do estilo surgidas no final dos anos 80, o Nitro se separou em meados dos anos 90 deixando dois álbuns gravados, “O.F.R.” e “H.W.D.W.S.”. O que veio em seguida para você?
JG: Arrumei um emprego. Entrei para o ramo imobiliário, comprando e vendendo casas. Eu estava de saco cheio do meio musical. Precisei me afastar para espairecer. No fundo, eu só queria mesmo levar uma vida normal. Era muita loucura, sabe? Todos os shows quase sempre terminavam em confusão. Mulheres nuas por todos os lados, drogas… que fique claro que eu nunca usei! Michael e eu devíamos ser os únicos caras sóbrios da cena! Eu não permitia drogas no ônibus da banda ou perto de onde eu estivesse. Muita gente fica chocada quando eu digo que não usava nada, mas basta lembrar do [que está escrito no encarte de] “O.F.R.”: DROGAS SÃO PARA PERDEDORES – NÃO SEJA UM PERDEDOR.
MV: Aí você voltou a cantar no “The Ultra Violent”, do Organ Donor. O som da banda era bem mais pesado que qualquer coisa que você fez antes e todas as críticas que li a respeito eram meio negativas. O que você acha deste álbum?
JG: O Organ Donor foi um lance entre amigos. Críticas negativas sempre existirão, sobretudo quando se trata de mim. Muita gente já me disse que é o meu melhor CD! [risos] Eu faço sempre aquilo que me der na telha e tenho sorte de ter sempre ao meu lado amigos que compartilham das minhas ideias. Sou muito grato por ter podido tocar pessoas em todo o mundo com a minha música. É um sentimento nobre.
MV: Que artistas ou bandas você mais ouve no seu dia a dia?
JG: Basicamente metal e glam rock, mas também Prince, Darling Cruel, Mariah Carey, Whitney Houston, disco music dos anos 70… [risos]. Eu amo tudo que é tipo de música!
MV: Em 2003, a R.L.S. Records relançou “Proud to be Loud” numa edição repleta de faixas bônus. Você esteve envolvido no processo?
JG: Sim, totalmente. Detenho os direitos do álbum e Stevie [Rachelle] me perguntou se o selo podia relançá-lo… aceitei na hora. Uma coisa que eu adoro no Stevie é o seu esforço para manter viva a música que fizemos naquela época.
MV: Considerando que ele foi o seu substituto no Tuff, como é a relação entre vocês dois?
JG: Stevie e eu sempre fomos amigos. Há um grande respeito mútuo. Não o vejo apenas como o cara que me substituiu na minha antiga banda. Nos tornamos amigos assim que ele entrou no Tuff. Acho que ele fez um excelente trabalho à frente da banda e o vejo como um verdadeiro embaixador do hard rock. Também gostaria de acrescentar que ele é um ótimo pai, o que aumenta ainda mais o meu respeito por ele.
MV: Agora vamos falar de outra paixão sua. Não é de hoje que o jiu-jitsu assumiu um papel fundamental na sua vida. E você ainda tem o privilégio de treinar com membros da família Gracie, referência mundial do esporte. Como é fazer parte dessa família?
JG: A família Gracie é uma parte muito importante da minha vida. É por causa desta relação que me sinto tão próximo ao Brasil e tão feliz por estar dando esta entrevista.
MV: Há quanto tempo você treina com eles?
JG: Meus filhos, James e Rocco, e eu treinamos com eles há nove anos. Rocco tinha apenas dois anos quando começou!
MV: E por que o jiu-jitsu?
JG: Eu queria introduzir os garotos no universo das artes marciais e o jiu-jitsu dos Gracie é a melhor porta de entrada. Nada se compara. Para mim, o jiu-jitsu dos Gracie está anos-luz à frente de qualquer outra modalidade. Fui abençoado com a oportunidade de conhecer o Pedro Valente, que, desde então, tornou-se quase um membro da família. Ele é como se fosse um irmão para mim e um tio para James e Rocco. Passamos muito tempo juntos. Fui seu assistente durante anos, ajudando-o em suas aulas particulares. Acredite ou não, essas lembranças são ainda mais importantes que as dos tempos de banda.
MV: Como você se sente diante do crescimento do MMA pelo mundo?
JG: Amo a visibilidade que o esporte tem obtido e amo o esporte em si. Por mim, as lutas seriam mais cruas, mas eu entendo as razões pelas quais são estabelecidas tantas regras que facilitam para os lutadores. De todo modo, ficou provado que o jiu-jitsu é a única modalidade que você tem que dominar para se sair bem nos combates. Você consegue imaginar alguém competindo sem saber pelo menos se defender de um golpe de jiu-jitsu? Seria uma piada.
MV: Hoje em dia, você se considera mais um lutador de jiu-jitsu ou um cantor de rock ‘n’ roll?
JG: Me considero um cara capaz de fazer ambas as coisas! É ótimo ter duas paixões assim, mas se eu tivesse que escolher, seria fácil. O jiu-jitsu está em meu corpo e em minha alma. Por mais que cantar tenha sido sempre a minha maior paixão, o jiu-jitsu é o meu modo de vida.
MV: Para terminar, diga o que nós, do Brasil, podemos esperar de você. Alguma previsão de um retorno à cena musical?
JG: Esta é uma resposta que poderia mudar amanhã. Eu adoraria voltar a compor, mas atualmente estou empenhado na criação dos meus filhos. Eles são o futuro e eu já vivi o equivalente a dez vidas. Fiz, vi e vivenciei mais do que eu jamais poderia imaginar. Minha missão agora é ajudar James e Rocco a encontrarem suas vocações. Mas tenho certeza que voltarei a fazer música em algum momento… é bom demais atormentar os outros com a minha voz! Espero visitar o Brasil logo. Por conta da minha relação com os Gracie, me sinto muito próximo ao seu país. Mal posso esperar por passar um tempo aí, conhecer as praias, a academia dos Gracie, conhecer belas mulheres etc. Deus abençoe o Brasil!
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