Não são poucos os que definem o Red Hot Chili Peppers como uma banda ao contrário; muito melhor em estúdio do que ao vivo. Entendo o ponto de vista, mas rebato: em primeiro lugar, não há um roteiro a ser seguido, uma vez que o repertório é decidido nos momentos finais à entrada no palco. Outra coisa: por basicamente tocarem para si, tão próximos um do outro a ponto de dificultar a vida dos fotógrafos e de não compensarem tanto o sacrifício de quem passou aproximadamente doze horas aguardando na grade para ver tudo de perto, o resultado depende muito mais do tesão para tocar naquela noite do que da resposta do público que, no caso de um festival com o Rock in Rio, pode variar do êxtase absoluto para a total apatia num estalar de dedos.
Não sou supersticioso, mas o fato de o vocalista Anthony Kiedis ter vestido uma camiseta do Led Zeppelin foi um sinal, forte sinal, de que viria coisa boa pela frente. Ignore as meias caçador-de-borboleta do próprio, o figurino colcha de retalhos junina de Flea ou Josh Klinghoffer parecer um bariátrico com um ano de operado usando as roupas de quando era gordo para fazer graça. Mesmo Chad Smith, de branco da cabeça aos pés, coisa que só percebemos quando ele veio ao microfone no final da apresentação – sim, teve isso, Brasil! – remetia a algo entre “trabalho num frigorífico” e “faço parte do Faith No More”.
A noite coincidiu com o 40º aniversário de Josh, mas quem ganhou o presente foi o universo Chili Pepper, que ficou em polvorosa com a estreia ao vivo de “Sikamikanico”, lado B do single “Under the Bridge”, que, aliás, ficou de fora. Outras gratas surpresas vieram na forma de “Aeroplane”, que a banda nunca havia tocado em solo carioca, e “Hey”, em substituição à pau-mole “Snow ((Hey Oh))” ao lado da derivada de Tom Petty “Dani California” na fatia dedicada ao duplo “Stadium Arcadium” (2006) no set. Felizmente, também, o ainda indigesto “The Getaway” (2016) compareceu com a mesma trinca do show de 2017: as muito boas “Dark Necessities” e “Go Robot” e a tenebrosa “Goodbye Angels”.
Covers de montão também: além da já prevista “Just What I Needed” do The Cars, que o Red Hot vem tocando desde o falecimento do vocalista Ric Ocasek, “I Wanna Be Your Dog” (The Stooges), “What Is Soul?” (Funkadelic), um trecho de “Dazed and Confused” (Led Zeppelin) e o momento vergonha alheia supremo com Josh solo, abrindo os trabalhos do bis, numa rendição sofrida e sofrível de “I Don’t Wanna Grow Up”, clássico de Tom Waits que os Ramones tomaram para si.
Aliás, precisamos falar sobre o tal Klinghoffer. Um velho professor de guitarra certa vez me disse que errar dentro da escala não é erro, mas improviso. O problema é que Josh, munido daquilo que se pode chamar de “Quero ser John Frusciante”, ao não reproduzir ao vivo os solos das versões de estúdio – um crime em casos como “The Zephyr Song” e “Californication” –, acaba comendo notas, fugindo do tom, ativando o modo freestyle com um desleixo que dá margem para até quem não é versado em música sacar que algo está errado.
No fim das contas, porém, o saldo foi positivo: Anthony mais falante, bem-humorado, pulando como há tempos não se via na Terra Brasilis, saindo daquele quadrado imaginário que parece mantê-lo estático 90% do tempo, e Flea, que em seu momento sob o holofote na curtinha “Pea”, acabou emitindo a mensagem política acidental de maior contundência: “Fuck you asshole / You homophobic redneck dick”. Captaram? Banda ao contrário que nada!
Texto originalmente publicado na Rock Brigade Magazine em 7 de outubro de 2019.
Comentários
Postar um comentário