ENTREVISTA com Jimi Bell (House of Lords, Autograph): “Nunca recebi um centavo por ‘Master of Insanity’!”

 


Eis um cara que deveria ser mais reconhecido do que é, tanto como guitarrista e compositor quanto como um ser humano fantástico de se bater um papo. Jimi Bell, assim como todos que dependem da música ao vivo para tirarem seu sustento, foi castigado pela estase na cultura promovida pela pandemia da covid-19. Aos poucos a coisa está voltando ao normal – ou novo normal, que seja –, mas nada comparável ao que prometia ser um dos melhores anos para o cara: além do lançamento de “New World – New Eyes”, novo álbum do House of Lords, Bell estava prestes a cair na estrada com o Autograph, no qual ingressou há cerca de um ano, para uma série de shows pela América do Norte. De sua casa em Connecticut, Jimi falou sobre o atual momento de suas duas principais bandas, de sua colaboração de longa data com a WWE e da música que compôs para o Black Sabbath e pela qual nunca recebeu um centavo da banda. Boa leitura!


Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Na minha resenha de “New World – New Eyes” escrevi que “é como se James Christian – que também assina a produção – e Jimi Bell fizessem um acordo e trabalhassem de maneira quase que independente”. É isso mesmo?

Jimi Bell: Gravamos esse disco igualzinho a como temos feito desde 2005. Nunca nos reunimos os quatro num estúdio para gravar. Tudo sempre foi feito de maneira remota. Funciona assim: eu componho uns riffs e, muitas vezes, músicas completas, ou quase isso. Então, BJ e eu gravamos a demo em seu home studio e enviamos para o crivo do James. Curiosamente, eu não fazia ideia do que era melodic rock quando me juntei ao House of Lords em 2005. Na ocasião, James me perguntou se eu sabia compor coisas nessa linha e eu respondi que sim mesmo sem saber porque eu queria muito fazer parte da banda! [risos] Enfim, somente após James dar o seu aval, a música é gravada pra valer. Em relação às letras, James conta com alguns parceiros de fora. A família é grande. Até sua esposa, Robin, colabora de vez em quando. 


MV: O álbum traz letras que são muito adequadas ao mundo de hoje. Existem algumas mensagens muito fortes por trás dela; mensagens de esperança, chamados à ação etc. Você considera a maturidade nesse quesito um diferencial do House of Lords? 

JB: James usa letristas externos. Dependendo de quem escreveu as letras ou com quem ele colaborou, acho que sim. Agora, tenha em mente que este álbum foi feito bem antes de a pandemia acontecer. Então, para nós, foi curioso ver o quanto as letras têm a ver com o que está acontecendo hoje. Mas tudo não passa de coincidência. Por mais louco que pareça.



MV: Quais são então, na sua opinião, os diferenciais do House of Lords em comparação às demais bandas de melodic rock?

JB: O House of Lords sempre prezou pela diversidade. Tocamos de baladas a músicas mais aceleradas, e James é um grande vocalista – sua voz é agradável mesmo aos ouvidos de quem não é chegado em rock – e um compositor nato, além de tocar teclado muito bem.


MV: Em matéria de produtos, acho que já passou da hora da Frontiers lançar um box-set contendo todos os lançamentos do House of Lords pela gravadora. Você sabe se isso está nos planos deles?

JB: Que eu saiba, não. Está tudo uma loucura. Era para termos gravado o clipe de “Both of Us” em janeiro. Quando eles finalmente decidiram tirar a ideia do papel, BJ não pôde participar devido a compromissos com o Dokken. É por isso que Patrick Johansson aparece no clipe.


MV: Se você tivesse que escolher um álbum, ou algumas músicas do House of Lords do “World Upside Down” em diante, para apresentar para alguém que nunca ouviu a banda, quais você escolheria?

JB: Acho que “Rock Bottom”, “Battle” e “Cartesian Dreams” – aliás, amo esse disco – são ótimos cartões de visita. Também gosto de “Go to Hell”, “These Are the Times”, “I’m Free” e “Come to My Kingdom”. Acho “Big Money” legal demais, e adoro tocar “I Don’t Wanna Wait All Night” ao vivo. Enfim, são muitas! Desde que me juntei à banda, gravei oito álbuns com ela. É coisa à beça. Mas gostaria de ter feito mais shows, saído mais vezes em turnês. BJ e eu sempre tentamos convencer o James, mas, por alguma razão, nunca conseguimos. Isso acabou levando BJ a aceitar a oferta do Dokken.



MV: Às vezes tenho a impressão de que o James está sempre fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo.

JB: Sim, e isso é muito ruim. Foi por isso que Chris, BJ e eu formamos o Maxx Explosion. O House of Lords ficava na estrada por um mês, às vezes menos, e, assim que voltávamos para casa, James declarava abertos os trabalhos para o álbum seguinte. Eu dizia, “James, nós mal fizemos shows para promover o anterior e você já está pensando no álbum seguinte?” Só que isso nunca deu certo.


MV: Você me disse por e-mail que não falava com James há um bom tempo.

JB: Sim, faz tempo desde a última vez que falamos pelo telefone. Não que estejamos putos um com o outro. Por exemplo, eu só soube que o álbum havia sido lançado quando acordei no dia recebendo todas aquelas mensagens me dando parabéns etc. Fiquei, “como?”.


MV: Você não foi informado da data de lançamento do disco?

JB: Não. Assim como o clipe, eu só soube quando abri o Facebook e vi todas aquelas mensagens. Pensei, “tá, né...” [risos] Dessa vez tudo foi diferente. Normalmente James enviava as mixes para eu ouvir, mas não o fez dessa vez...


MV: É chato isso...

JB: Não vou levantar falso testemunho contra ele. As coisas são como são.


MV: Será que ele ficou com ciúmes dos seus projetos paralelos?

JB: Talvez, mas entrar no Autograph era uma oportunidade boa demais para recusar. Se não fosse a pandemia, estaríamos fazendo um show após o outro. A agenda estava lotada para o meio do ano. E o mais legal é que tocaríamos em uma porção de festivais com muitas outras bandas – Vince Neil, Queensrÿche, Slaughter, Stryper, Vixen, Black ‘n Blue, Kix –, e eu adoro isso, pois é sempre muito bom tocar para públicos grandes!



MV: Fora isso, como está sendo fazer parte do Autograph?

JB: Está sendo incrível. Amo tocar com esses caras. Randy, o único remanescente da formação original, é um excelente baixista. Simon é um excelente vocalista e o fato de ele tocar guitarra é um adicional muito interessante. Mark é um tremendo baterista, também. Venho compondo com esses caras e eles me dão carta branca para apresentar quaisquer ideias que eu tiver. A única coisa que me pediram quando entrei foi que eu aprendesse a tocar icônico solo de “Turn Up the Radio” como na gravação de estúdio. Mas mesmo que eles não tivessem me pedido isso, eu jamais ousaria mudar uma nota sequer!


MV: Já que você falou em composição, achei ótima a música nova do Autograph! Um riff principal totalmente setentista e um solo gigantesco que cai como um raio no meio da música!

JB: Obrigado! Quando todo mundo acha que virá uma ponte, eu entro com o solo meio que do nada! O riff de abertura, o verso e a ponte são meus, então Simon e eu escrevemos o refrão via Facetime e demos os últimos retoques por telefone. 


MV: Podemos considerar essa música um modelo das próximas que vocês lançarão? Aliás, o que podemos esperar dessa parceria?

JB: Enviei várias ideias para eles e eles gostaram muito da maioria delas. Por enquanto, nosso foco é o single e em tentar remarcar as datas que caíram por causa da pandemia.


MV: Ainda sobre o single, parte da renda será doada para uma instituição de caridade. Parabéns por essa iniciativa do bem!

JB: Obrigado! Minha noiva que providenciou isso. Ela trabalha no Saint Francis Hospital em Hartford, Connecticut, que é parte do programa Trinity Health. Acredito que essa seja a nossa forma de agradecer aos profissionais de saúde pelo trabalho incansável que vêm desempenhando na linha de frente do combate ao novo coronavírus.



MV: Você recentemente postou no Facebook uma imagem com as capas de todos os discos em que tocou. Como grande fã de pro-wrestling, preciso perguntar sobre o seu vínculo com a WWE.

JB: Comecei a trabalhar para eles em 2006. Sempre fui um grande fã, assim como você. Desde os tempos de WWF, com Bret Michaels, Andre the Giant, Ultimate Warrior etc. Um dia o segurança de uma casa onde toquei me disse que era cinegrafista da WWE. Ele perguntou se eu tinha algum material promocional para deixar com ele. Dei um CD promo e ele fez com que esse material chegasse às mãos do Jim Johnston, que é o compositor dos temas da WWE. Mal pude acreditar! Dois dias depois, recebi um telefonema da WWE me convidando para uma reunião. Eles têm um estúdio de gravação de primeiro mundo lá. Então sempre que Jim precisa de algum solo nervoso de guitarra, me chama.


MV: Quais temas você se lembra de ter gravado?

JB: O primeiro que gravei foi um para o Edge que acabou nunca sendo usado. Fiquei desapontado, mas bola pra frente. Enfim, gravei inúmeros temas, incluindo o do Bret Hart quando ele anunciou a volta aos ringues e um do D-Generation X, entre outros.


MV: Você também gravou um solo no disco do brasileiro Criss Sexx, né?

JB: Sim! Criss é um cara sensacional. Sempre que um disco faz aniversário, ele posta, e isso é ótimo.



MV: Agora, é verdade que você é autor não creditado de uma música do Black Sabbath?

JB: É. Escrevi “Master of Insanity” do “Dehumanizer” (1992) quando tocava na banda do Geezer Butler. Um belo dia, a mulher do Geezer, Gloria, me ligou para dar as más notícias: o contato dele na MCA havia sido demitido e nós havíamos perdido o contrato com a gravadora. Geezer acabou se juntando à banda do Ozzy. Passado um tempo, Gloria me ligou de novo: “Boas novas, Jimi. O Black Sabbath está se reunindo com Ronnie James Dio e vai gravar a sua música ‘Master of Insanity’!” Imagine só a minha empolgação! Mas ela falou que não poderia me dar o crédito por escrito porque Tony Iommi nunca deixaria uma música que tivesse sido escrita por alguém de fora fazer parte de um disco do Sabbath. Geezer assinaria como compositor e colocaria agradecimentos especiais para mim no encarte. Fiquei arrasado, mas eles me prometeram pagar pela música quando a turnê acabasse. Fui a alguns shows dessa turnê, eles tocaram minha música em todos e a citavam frequentemente nas entrevistas. A turnê chegou ao fim e eu nunca recebi um centavo. Fazer o quê?


MV: E não é como se eles não tivessem como pagar, né?

JB: Exatamente! Com todos os milhões que ganhavam, não poderiam ter me pago pela música? Mas é assim que as coisas são. Por anos corri atrás disso, mas depois deixei para lá. Até que um dia encontrei Ronnie e me apresentei. Ele respondeu: “Jimi Bell, da ‘Master of Insanity’?” Fiquei de cara! Ficamos uns 40 minutos batendo papo. Ele falou que eu devia ter sido pago pela música, que era uma sacanagem dos caras do Sabbath. Mas justiça foi feita: algumas biografias do Sabbath incluíram meu nome como autor de “Master of Insanity”!


MV: Para encerrar, vamos voltar no tempo, para a noite do Hard in Rio II. Eu tinha 18 anos e estava lá, na primeira fila! O que você se lembra não só do show do House of Lords em si, mas daquele final de semana no Rio de Janeiro?

JB: Não conheci muita coisa porque disseram que a cidade era perigosa! Os promoters locais foram ótimos, cuidaram super bem da gente. Mas acabei ficando mais no hotel mesmo. Os fãs então, nem se fala. Lembro de estar sobre o palco e ver todo mundo enlouquecendo. Um clima surreal. Nunca esquecerei. Sem contar que foi aí que conheci o Danny Vaughn, do Tyketto. Fiquei amigo dele e de sua esposa. Espero trabalhar com ele novamente um dia! E espero voltar ao Brasil em breve também!


MV: O Simon é brasileiro. Talvez seja mais fácil vir com o Autograph do que voltar com o House of Lords...

JB: Que seja! O que for para ser, estou dentro! Que os promoters daí façam isso acontecer!



facebook.com/HouseOfLordsB

facebook.com/autographband


Comentários