ENTREVISTA com Tarja Turunen: “Tenho todos os CDs da Lady Gaga!”

 


Recentemente, uma imagem de Tarja Turunen mostrando o CD “The Fame Monster” da cantora Lady Gaga viralizou nas redes sociais do Brasil. Os fãs ficaram em polvorosa e até mesmo sonhos de uma talvez nem tão improvável parceria vieram à tona nos comentários. O que pouca gente sabe é que tal imagem é, na verdade, um print da entrevista que realizei com a voz suprema do symphonic metal por Skype no último dia 2. Ou seja, há uma explicação, e quem ler saberá qual é. Durante pouco mais de meia hora, Tarja e eu falamos sobre o relançamento recheado de extras de “From Spirits and Ghosts” (2017), do Natal nos tempos do coronavírus, da resistência dos formatos físicos à ditadura das plataformas digitais e do ambicioso projeto Outlanders, cujo álbum deverá ver a luz do dia em 2021. E antes que venham me perguntar: sim, ela é muito maneira (rs). Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Gustavo Maiato / Divulgação


Marcelo Vieira: Você acaba de relançar “From Spirits and Ghosts” numa edição recheada de extras, incluindo o primeiro ao vivo natalino da sua carreira. Além do fato de que há um público, o que muda na dinâmica de cantar tais músicas ao vivo em comparação com cantá-las em estúdio?

Tarja Turunen: Claro que é completamente diferente quando se está diante de um público. No estúdio, o nervosismo pode tomar conta, porque só depende de você encontrar a emoção que deseja transmitir em cada uma das músicas. As canções natalinas de um modo geral não foram difíceis de gravar; de fato, meus dois álbuns natalinos foram gravados no verão, como se eu estivesse no Brasil ou no Caribe [risos]. O segredo é conseguir encontrar a emoção certa em estúdio; emoção essa que é muito mais fácil de obter ao vivo por causa da troca que rola com os fãs. Inclusive, estou morrendo de saudade de fazer shows, não vejo a hora de reencontrar meus músicos e meus fãs!


MV: Em relação ao álbum, você disse o seguinte: “Neste álbum, eu explorei o outro lado do Natal – o Natal dos solitários e dos esquecidos.” É para eles que você canta no disco? 

TT: Veja bem, eu faço esses shows natalinos desde 2004. A principal razão de existir deles são as pessoas que não ligam para o Natal ou mesmo que odeiam o Natal. Elas têm seus motivos para não querer festejar, talvez por se sentirem sós ou por terem perdido algum ente querido. Eu mesma me senti assim; quando minha mãe morreu, foi como se o Natal tivesse perdido o sentido para mim. Então me tornei mãe e posso ver o brilho nos olhos da minha filha sempre que o Natal se aproxima. Além do mais, por eu ser finlandesa, o Natal está muito enraizado na nossa cultura. Mas a razão principal é, de fato, transmitir algo de bom para essas pessoas, ajudá-las através da minha música, espalhar alguma positividade; ainda mais num ano como este em que não podemos estar juntos de todos aqueles que amamos. A música tem esse poder de cura. Não foram poucas as vezes na vida em que fui salva pela música. 


MV: Há quem diga que “From Spirits and Ghosts” é o mais sombrio e memorável álbum natalino já gravado por algum artista ligado ao metal. Twisted Sister, Helix e Rob Halford foram alguns nomes que já se aventuraram por essa seara. Você chegou a ouvir algum desses discos?

TT: Na verdade, não. Eu mesma só canto músicas de Natal no Natal [risos]. Fora que não gosto muito de ouvir as canções natalinas mais “alegrinhas”. Músicas assim me fazem lembrar de jingles publicitários. Prefiro coisas mais atmosféricas; o outro lado do Natal, por assim dizer, fala mais diretamente a mim. Na Finlândia temos artistas tradicionais que cantam essas canções em finlandês. Basta ouvi-las para que eu mergulhe no clima natalino [risos]. Lembro logo de quando eu era pequena, dos Natais em família... mas se tanta gente grava álbuns natalinos é porque, sem dúvida, há mercado para isso. 



MV: Todos os seus álbuns continuam sendo lançados em múltiplos formatos e edições luxuosíssimas. Mesmo em tempos de plataformas digitais, você segue dando respaldo ao colecionador de mídia física. Você é colecionadora de discos?

T: Sim! Você devia ver a minha coleção! [risos]. Ainda compro CDs dos artistas que eu mais gosto. Aqui [mostra uma pilha de CDs]: Alice in Chains, Ringo Starr, o novo do Papa Roach... Tenho de tudo um pouco, inclusive trilhas sonoras, que me inspiram a compor. [Mostra o CD da animação “Trolls”] Este, obviamente, é para a minha filha! [risos]. Meu marido e eu somos amantes da música e temos a sorte de trabalharmos com música e consumirmos música em formato físico. Minha carreira mudou drasticamente com esse advento do streaming, mas meu trabalho, não. Ainda fico horas e horas pensando no design dos meus álbuns; capas, encartes e até mesmo as fotos promocionais eu escolho onde serão tiradas. Já fui até a Índia para uma sessão de fotos. Então, sim, trabalho um bocado para oferecer produtos de qualidade, pois isso significa demais para mim. Adoro comprar o CD novo de algum artista que adoro e ler as letras, os créditos, ver quem foram os responsáveis. No LP então fica ainda mais bonito, tudo muito maior. Logo, continuarei fazendo isso.


MV: Devo concordar que só os CDs e LPs permitem, digamos, a experiência completa do álbum.

T: Não só do álbum, mas também do artista! Tipo, não posso falar por todo mundo, mas eu, pelo menos, estou por trás de 100% do que se vê e se ouve nos meus discos. É importante que você veja a coisa como um todo, sinta a coisa como um todo. Na verdade, é meio triste que o mundo esteja tão em função do digital hoje em dia. Ok, a música está lá, você pode ouvi-la, mas de muitas maneiras não pode senti-la.


MV: E com isso as pessoas acabam ouvindo cada vez menos música, né? Por exemplo, não conheço muita gente que ainda tenha o hábito de parar para ouvir música. A maioria das pessoas aperta o play e deixa a música rolar enquanto vai fazer faxina, cozinhar...

T: Exatamente! Cada vez menos pessoas param para ouvir e somente para ouvir música e cada vez menos artistas estão preocupados em lançar discos, pois a música basta. Fui técnica do reality The Voice of Finland e o prêmio para o vencedor era a gravação de um single. Pensa bem: se essa única música não for boa o suficiente para emplacar nas rádios ou nas plataformas digitais, é o fim da linha para o artista. Trabalhar no álbum todo é importante; começo, meio e fim. Cada álbum que eu faço é como uma viagem. Eu jamais permitiria que uma música ruim entrasse num álbum meu. É a minha arte que está ali, por mais difícil que seja continuar produzindo. 



MV: Agora, que discos os seus fãs ficariam surpresos de saber que você tem na sua coleção?

T: [Risos]. Espere só um minuto. [Levanta] Olhe só o que tenho aqui [risos]. [Mostra outra pilha de CDs]. Este aqui é muito bom. “This Is Acting”, da Sia. Tem também Lady Gaga. Tenho todos os CDs da Lady Gaga. Amo essa mulher! Aqui está o “The Fame Monster”, por exemplo. Ah, e tenho aqui o Charly Garcia, compositor argentino.


MV: [Risos] Incrível! Uma mistura só!

T: Sim!



MV: Falando em mistura, ano passado você estreitou os laços com a música brasileira convidando Carlinhos Brown para tocar percussão na música “Spirit of the Sea” do álbum “In the Raw”. Não sei se você sabe, mas vinte anos atrás, Carlinhos protagonizou uma cena lamentável no palco principal do Rock in Rio. O Guns N’ Roses era o headliner e Carlinhos, uma das atrações de abertura. O público do Guns não poupou nas garrafadas, mas ele foi valente e levou o show até o fim. Quando você convida um cara como o Carlinhos, de um estilo completamente diferente do seu, você indiretamente está dizendo que o público do rock e do metal precisa ser mais mente aberta? 

T: [Respira fundo]. Sempre me dou como exemplo. Eu era uma estudante de música clássica que se tornou cantora de heavy metal. Isso foi totalmente fora do planejado, mas eu encarei o desafio no exato momento em que vi beleza naquela música. Senti que era capaz de fazer, fui lá e fiz. E amei! Acho que ser mente aberta é isso: assumir o risco, pagar para ver. Imagine só onde eu estaria se tivesse deixado a oportunidade passar. Provavelmente seria uma cantora de ópera, residente em um teatro de ópera. Talvez até fosse feliz como cantora de ópera, mas não tanto quanto sou por ter enveredado pelo heavy metal, o gênero que me permitiu abrir as asas, compor minhas próprias músicas e contar minha história pelo mundo. Sempre encorajarei as pessoas a abrir a mente, pois há muita música boa por aí. Quanto aos meus fãs, tenho certeza que eles são os mais mente aberta, pois estou sempre os desafiando. Minha música não é a mais acessível, mas é muito versátil; tão diversificada quanto os CDs que mostrei há pouco para você. Muitas vezes sou a única mulher num festival dominado por artistas homens. O respeito sempre prevaleceu, mas é uma responsabilidade e tanto. Nunca se pode agradar a todos. A vida é assim!


MV: Por qual gênero musical você gostaria de passear e ainda não o fez?

T: Uau! Acho que já fiz de tudo um pouco. Bem, tenho um projeto de música eletrônica em andamento; o mundo terá uma amostra no ano que vem. Chama-se Outlanders. É música eletrônica com a minha voz, violões e guitarras.


MV: Você acaba de antecipar uma das minhas próximas perguntas!

T: Pois é. Vários guitarristas famosos fazem parte desse projeto que verá a luz do dia em pouco tempo. É um projeto fantástico, completamente diferente de tudo que fiz até hoje. E é um projeto com o qual eu gostaria de cair na estrada, porque a música é pura alegria.



MV: Aparentemente, e pelo que pude ver no seu Instagram, as gravações avançaram durante a pandemia.

T: Sim! Estamos dando os retoques finais. Gravamos praticamente tudo, então é questão de tempo e de terminarmos algumas guitarras.


MV: E qual é a ligação desse projeto com a obra do escritor brasileiro Paulo Coelho?

T: A música “Outlanders”, que dá nome ao projeto e foi o início de tudo, é inspirada na obra do Paulo Coelho. Curiosamente, estive em contato com ele alguns dias atrás [risos].


MV: Ele está entre os seus autores de cabeceira?

T: Sem dúvida. Estou lendo, ou melhor, devorando seu novo livro, “The Archer”. Devo reconhecer que ele vem sendo uma das principais inspirações para mim e para minha carreira. Sua escrita é bela e fluida e eficaz.



MV: Bem, além de ouvir música e ler, o que você diria para os fãs fazerem para manterem a sanidade em tempos difíceis como estes?

T: Estamos todos juntos nessa; eu, você, o mundo inteiro. Não existe fórmula mágica para curar as feridas deste ano terrível. E foi tudo muito do nada, ninguém poderia imaginar algo dessa seriedade tomando conta. Todas as atividades foram afetadas; a música sofreu o baque. Um bom primeiro passo é olhar para dentro e se reavaliar. “Sou feliz?”, “Estou fazendo o melhor que posso nas atuais circunstâncias?”, “Estou tomando conta de mim mesmo?” Bem, esta é a hora de tomar conta de si! Não há muito mais a ser feito e essa é a nossa vida, a única que teremos. Sempre que uma crise atinge o mundo em cheio, as pequenas coisas adquirem novo significado. Tentem manter o pensamento positivo. É difícil no começo, mas então você descobre que é impossível lutar contra o universo. 


MV: E na falta de shows, o que os fãs podem fazer para apoiar os artistas?

T: Uau! Sei que meus fãs estão comigo para o que der e vier. Todo dia recebo mensagens encorajadoras dos quatro cantos do mundo. Eles endossam meus projetos, compartilham minhas novidades. Me fazerem saber que estão ao meu lado é a coisa mais importante para mim. Claro, temos produtos à venda, e nesse aspecto econômico eles também chegam junto. Tenho algumas lives previstas e em cada uma delas farei questão de deixar nítido o quanto sou grata por todo esse apoio incondicional.


MV: Agora, qual é a sua mensagem para os fãs do Brasil, especificamente? 

T: Está nos planos a retomada da turnê de “In the Raw”, com shows confirmados no Brasil em abril do ano que vem. É claro que tudo depende da evolução da pandemia, dos avanços da medicina e das medidas que forem tomadas pelo seu governo, mas espero conseguir ver meus fãs do Brasil logo logo! Sinto muita saudade de estar com vocês, pois é sempre uma alegria tocar no Brasil. Mal posso esperar para estarmos juntos novamente! 


www.tarjaturunen.com 


Comentários

  1. Lendo as respostas que ela deu para as questões fico com mais certeza ainda que a Tarja hoje é o maior nome feminino da música, do rock, do metal. Ela é brilhante! Ela é maravilhosa!��������������

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