Um cadáver dá à luz e começa a devorar seu rebento. Pesado, né? Essa é a descrição da capa censurada de “Violence Unimagined”, novo álbum do Cannibal Corpse. Gravado em meio à pandemia, o trabalho marca a estreia do guitarrista Erik Rutan como membro efetivo, substituindo o doidão Pat O’Brien, e conta com o instrumental mais pesado registrado pela banda em três décadas de existência. Para falar sobre o disco, que sai no próximo dia 16, ninguém melhor que o baixista e fundador do grupo, Alex Webster. De sua nova casa no Oregon, ele conta como foi gravar remotamente, revela o segredo de sua técnica cavalar e recorda a fatídica noite de 20 de junho de 2013, quando o Circo Voador, no Rio de Janeiro, foi tomado por bombas de gás lacrimogênio. Confira!
Transcrição: Leonardo Bondioli
Fotos: Divulgação
Marcelo Vieira: Uma vez você disse que o Cannibal Corpse está sempre em busca de fazer o álbum mais pesado possível. Sendo assim, pode-se dizer que “Violence Unimagined” é o seu álbum mais pesado até o momento?
Alex Webster: Isso cabe ao ouvinte decidir. Acho que [“Violence Unimagined”] é a nossa mais nova tentativa de fazer o melhor e mais pesado álbum do Cannibal Corpse. Dependendo de para quem você pergunte, a pessoa dirá que um ou outro é melhor ou mais pesado, então é difícil afirmar que é o mais pesado ou o melhor. Mas não custa tentar, né?
MV: Antes de ser efetivado como guitarrista, Erik Rutan produziu quatro álbuns da banda. Como é ter ao lado um músico que, além de tocar muito, é um craque da produção?
AW: É ótimo! Por mais que isso seja algo novo para nós, não é para ele, porque no Hate Eternal ele compunha, tocava, cantava, produzia... Erik tem uma incrível capacidade de atuar em várias frentes ao mesmo tempo. Mesmo que eu fosse um bom produtor, não gostaria de produzir nossos álbuns, pois seria muita coisa para fazer ao mesmo tempo [risos]. Erik não vê problema nisso. Ele tem muita técnica, muita experiência; já produziu cerca de cem álbuns nos últimos vinte anos. Já produziu bandas do hardcore ao black metal passando por death, thrash... Além do mais, é um dos melhores guitarristas de death metal que já vi; possui um currículo invejável e um estilo muito bem-desenvolvido, que acabou trazendo para a banda. Como nosso convívio data de muito tempo, e ele chegou a fazer um ano de turnê conosco, a efetivação se deu de maneira muito natural. Em outras palavras, antes mesmo de entrar para a banda como guitarrista / produtor, ele já havia sido nosso guitarrista / produtor.
MV: É impressão minha ou, neste novo álbum, Paul [Mazurkiewicz, o baterista] está tocando melhor do que nunca?
AW: Sim! Isso é notável nas músicas que o Erik compôs: “Condemnation Contagion”, “Overtorture” e “Ritual Annihilation”. Sobretudo na “Condemnation”, a primeira vez que ouvi, fiquei de cara; tipo, eu nunca tinha ouvido o Paul tocar dessa maneira antes! Ele teve de suar a camisa para obter esse resultado, totalmente fora de sua zona de conforto. Testemunhar esse crescimento num cara com tantos anos de estrada foi incrível. E muito disso se deve ao Erik, o responsável por nos fazer extrapolar todos os limites. É bom ter alguém forçando você a melhorar cada vez mais. Isso faz com que todos acabem melhorando juntos.
MV: Imagino quando chegar a hora de tocar essas músicas ao vivo!
AW: Pode crer! [risos] Ainda não decidimos quais tocar. Imagino que dessas três, nós toquemos apenas a “Condemnation”, mas todas são dificílimas de tocar. Para mim, enquanto baixista, a mais difícil é “Overtorture”.
MV: Curiosamente, é a música mais curta do disco.
AW: Sim, mas não rola um segundo de descanso! [risos] São dois minutos e meio de muita, muita velocidade! Até temos músicas com trechos mais velozes, mas que intercalam com outros mais lentos e cadenciados. “Overtorture”, não; é impiedosa!
MV: No Brasil, as pessoas chamam você de “Steve Harris do death metal” [risos]
AW: [risos] Que honra! Sou muito fã do Steve; ele é um dos meus heróis!
MV: Qual é o seu segredo para manter a pegada, a precisão e o tônus sem abrir mão de fraseados mais complexos e sem recorrer à palheta em vez dos dedos?
AW: Olha, não é fácil. Acho que a regra número um é tentar tocar da maneira mais econômica possível, obtendo o máximo de resultado com o mínimo de esforço. Essas músicas mais velozes equivalem a pequenas maratonas de dois ou três minutos para as mãos, então é necessário se precaver, mas sem subtrair peso ou agressividade. Tento dosar isso tocando de maneira relaxada, mas que soe brutal. É difícil encontrar a medida certa, mas é isso ou acabar pifando no meio do show.
MV: A pandemia obrigou você a gravar no seu home studio. Foi complicado, ou quem sabe até frustrante, não poder estar com os outros durante a gravação?
AW: Eu queria muito ter estado junto deles, mas teria sido impossível, pois começamos a gravar em abril do ano passado, que foi justamente quando a pandemia tomou conta da América e o governo começou a impor as medidas restritivas. Como eu já havia gravado em casa, já sabia como fazer, e os caras sabiam que eu sabia como fazer, decidimos fazer assim. Mas foi chato. Gosto de estar presente em determinados momentos. Gosto de estar presente quando estão gravando as partes de músicas que eu compus. Nós falávamos o tempo todo; seja por telefone ou por mensagens de texto. Não é a mesma coisa, mas fazer o quê? Independentemente das condições adversas, eu e os outros estamos muito satisfeitos com o álbum. Mas o próximo [álbum] eu espero que seja gravado como costumamos gravar!
MV: É ótimo que vocês estejam satisfeitos com o resultado!
AW: Sim! Afinal, foi feito sob condições adversas. Não que sejam condições adversas para todos; conheço muitas bandas que trabalham assim, remotamente, mesmo sem pandemia. Inclusive, meus projetos paralelos trabalham assim.
MV: Falando em projetos paralelos, quando teremos um novo álbum do Blotted Science?
AW: Não sei dizer. Estamos numa espécie de hiato há anos. Ainda falo com Ron [Jarzombek] e temos até algumas músicas prontas, mas não o suficiente para um novo álbum. Acho que falta sentarmos os dois e focarmos no projeto. Amo trabalhar com o Ron; é como voltar para a escola! [risos]. Aprendi muito com ele. O mesmo vale para o Conquering Dystopia; se Keith [Merrow] e Jeff [Loomis] quiserem voltar, estou dentro!
MV: “Violence Unimagined” vai ser lançado em uma porção de formatos, inclusive em vinil. Isso tem a ver com o fato de você ser um colecionador de discos?
AW: Veja bem, eu tenho muitos LPs, mas a maioria eu comprei ainda nos anos 80. Mais recentes só os nossos [do Cannibal Corpse] e outros que ganhei de presente. Não me considero um colecionador, mas adoro o formato grandão dos LPs, pois valoriza, sobretudo, a arte das capas. A ideia de ter toda a música de que preciso ao alcance do celular é muito mais atraente para mim. Vinis são legais e tal, mas aderi totalmente ao digital já, as mp3s já me bastam.
MV: Você assistiu ao filme com Will Smith chamado “Bright” (2017)?
AW: Sim! Na verdade, não assisti ao filme completo, mas à famosa cena em que toca “Hammer Smashed Face”. [Assistir ao filme completo e]stá na minha lista de coisas a fazer. O problema é que não tenho Netflix...
MV: Você concorda com o personagem que diz que “Hammer Smashed Face” é a maior canção de amor de todos os tempos? [risos]
AW: Ah, isso é demais, né? [risos]. Agora são dois os filmes que trazem essa música na trilha sonora. [N.E.: o outro filme ao qual Alex se refere é “Ace Ventura” (1994)] Sinceramente? Eu adoro quando pintam essas oportunidades de cruzar fronteiras no mundo do entretenimento.
MV: Há algumas semanas, quase vinte anos depois do lançamento original, o EP “Worm Infested” finalmente saiu no Brasil.
AW: É sério? Que foda!
MV: Algumas palavrinhas sobre ele?
AW: Olha, faz tempo, hein? Foi 2002 ou 2003, eu acho. É nele que tem o cover de “Demon’s Night” [do Accept], né? Tem também um cover de “Confessions” [do Possessed] ... Salvo engano, as músicas do “Worm Infested” foram sobras das gravações do “Gore Obsessed” (2002). Escrevemos muitas músicas naquela época, e como nem todas acabaram entrando no álbum, decidimos lançar este EP. Se bem que o cover de “Demon’s Night” é da época do “Gallery of Suicide” (1998). Gravamos ela e a deixamos de lado por qualquer motivo, então pareceu certo incluí-la no EP.
MV: A relação entre o Cannibal Corpse e o público brasileiro é insana. Foram quase quarenta shows no nosso país nos últimos vinte anos. Mas tem um show específico sobre o qual eu gostaria de falar: Circo Voador, Rio de Janeiro, 20 de junho de 2013. Vocês tocaram na mesma noite em que centenas de milhares de brasileiros subitamente tomaram as ruas do Rio, de São Paulo e de outras capitais para protestar. Rolaram até bombas de gás lacrimogênio nas ruas ao redor.
AW: Olha, eu não cheguei a respirar o gás lacrimogênio, mas muita gente comentou comigo depois; inclusive um cara da equipe local foi alvejado na perna, levou um tiro de bala de borracha. Ele ficou com uma puta marca roxa na canela. Não foi grave, exceto pelo fato de que ele havia levado um tiro durante uma manifestação que estava ali perto. Não lembro de muitos detalhes dessa noite.
MV: E de outras noites por aqui, você lembra?
AW: Ah, nos divertimos muito no Brasil. Foram tantas vezes, e todas sempre muito legais. Fizemos muitos amigos com o passar dos anos. Embora muitos da banda não comam carne mais, nos esbaldamos em algumas churrascarias. Lembro também de um show em São Paulo, num lugar muito, muito quente chamado Hangar 110. Bebi uns três litros de água durante o show! [risos]
MV: Eita! [risos]. Para terminar, qual é o seu recado para os fãs no Brasil e leitores do Marcelo Vieira Music?
AW: Agradeço imensamente a todos pelo apoio ao longo de todos esses anos. Não vejo a hora de poder voltar aos palcos e ir ao Brasil. Até lá, fiquem a salvo, se protejam e é isso aí!
Saiba mais sobre o Cannibal Corpse:
Excelente 👏😀
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