ENTREVISTA: K.K. Downing fala sobre estreia do K.K.’s Priest e comenta livro de Rob Halford


Quando de minha conversa com K.K. Downing já há alguns meses, para a matéria de capa da edição de outubro da Guitarload, eu ainda não tinha ouvido “Sermons of the Sinner”, álbum de estreia do K.K.’s Priest, na íntegra. Na véspera do lançamento do disco tive a oportunidade de conversar novamente com o cara e, aí sim, pude me aprofundar um pouco no trabalho que marca sua volta da aposentadoria após uma década no bem-bom. Confira!


Transcrição: João Marcello Calil
Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Bastou ouvir “Sermons of the Sinner” para entender que o K.K.’s Priest tem mais em comum com o Judas Priest do que a própria palavra “Priest” no nome. Para você, o que é mais importante sobre este álbum: mostrar aos seus ex-colegas que você é um competidor à altura ou prestar uma homenagem ao seu passado e à sua contribuição ao heavy metal?

K.K. Downing: Sim, é exatamente isso: uma homenagem ao meu passado, ao meu legado. Este álbum é muito importante para mim porque reúne emoção, sentimento, alegria e uma mensagem a ser transmitida. Tive uma voz através do meu livro [“Heavy Duty: Minha Vida no Judas Priest”, Estética Torta, 2021], mas, como nem todo mundo vai lê-lo, senti a importância para mim de ter uma voz através da música. O tempo passa, e, em algum momento, nós dinossauros dos anos 60, 70 e 80 vamos ser extintos. Por isso é muito importante que o heavy metal continue com suas novas bandas e seus novos músicos. Espero que o álbum inspire pessoas a começar a tocar algum instrumento e a querer participar dessa evolução.


MV: Títulos como “Hail for the Priest” e “Return of the Sentinel” não negam as raízes do álbum e do seu som. A busca de paralelos com o Judas Priest é desejada e até mesmo útil para você?

K.K.D: Consciente ou inconscientemente não posso negar quem sou e o que faço, nem como soam minha guitarra e meu amplificador ou como produzo e ouço as coisas. É tarde demais para mudar. Há muito tempo concluí que é assim que gosto de ser, de sentir. Certas vezes, não pude fazer tudo exatamente do jeito que queria porque havia parceiros cuja opinião eu tinha que considerar. Embora tenha sido ótimo e eu tenha muito orgulho, agora estou sendo forçado a tomar as decisões sozinho. 

Gozo de uma liberdade recém-descoberta, pois não a tinha desde os anos 60 e início dos 70, de poder trilhar o caminho musical que me deixa feliz e contente e ser capaz de me expressar e fazer algo soar como gosto. Inevitavelmente você terá todos os ingredientes. Então algo soará familiar para você. Mas espero que reparem que há alguns novos ingredientes também. Por exemplo, para mim este álbum tem mais reverberação, soa mais penetrante, dinâmico, não tão distorcido, a bateria soa mais orgânica, podem ser ouvidos todos os graves, e o volume é alto. É assim que ele soa e é como gosto. E espero que os fãs também gostem, por que não?




MV: Faixa após faixa, fui tendo a sensação de que a velocidade ia aumentando e de que as músicas iam ficando mais pesadas, como se eu estivesse em um campo de batalha com bombas explodindo ao meu redor. No contexto de um álbum, é muito importante a ordem das músicas?

K.K.D: Realmente é. E me frustra de verdade que os fãs acabem ouvindo algumas músicas, mas não o álbum do começo ao fim, como deve ser ouvido.


MV: “Sacerdote y Diablo” não soaria deslocada em “Nostradamus” (2008). Qual é a história por trás dessa música?

K.K.D: Obviamente é sobre um padre e o Diabo, e por alguma razão estão juntos, e o padre acaba sendo ludibriado por ele. Sabemos o quão inteligente e enganador o Diabo é. O padre é honesto e direto; então acaba se metendo em apuros facilmente. Já o Diabo não tem problemas em conseguir que pessoas corruptas e desagradáveis sejam suas parceiras, mas precisa que as que são boas participem também. Então o Diabo propõe um acordo com o padre nas seguintes condições: ele oferece ao padre a capacidade de viver para sempre e, juntos, irão dominar o mundo. Depois de todos os solos de guitarra, inevitavelmente o acordo dá errado e, obviamente, o padre passou por tolo em se envolver com o Diabo. A mensagem da música é clara: Tenha muito, muito cuidado na vida com quem você escolhe como parceiro!


MV: Isso poderia muito bem retratar a história do Judas Priest, o padre, com a empresária Jayne Andrews, o Diabo. [Risos]

K.K.D: É, poderia sim. Mas o Diabo pode ser um namorado ou uma namorada, um marido ou uma esposa, um colega, sabe? Ele não pode ser visto, mas está o tempo todo à espreita e, em algum momento, nos tornamos suas vítimas de alguma forma. 




MV: Tanto “Raise Your Fists” quanto “Wild and Free” incluem alguns “oh-oh-oooh” do tipo que põem todo mundo para cantar junto. Você as escreveu já pensando nos shows e na interação com o público?

K.K.D: Gostaria que todas as músicas, mesmo as mais longas, fossem boas para se tocarem ao vivo e que os fãs também gostassem que as tocássemos ao vivo. Houve um tempo em que canções que abordavam ir a um show e se divertir, como “Hot Rockin’”, “Heading Out to the Highway”, “Living After Midnight” e “Breaking the Law” [do Judas Priest] estavam na moda. 

Havia também “Bang Your Head” [do Quiet Riot], “School’s Out” [do Alice Cooper]... Músicas que são simplesmente animadoras. Tipo, “vamos encher o porta-malas com engradados de cerveja, vamos nos encontrar com nossos amigos num estacionamento e fazer um esquenta para um show de rock”. O público aprova essas músicas porque permitem que ele cante a plenos pulmões e se divirta conosco.


MV: Por que você decidiu abrir um novo capítulo sobre a personagem de “The Sentinel” com “Return of the Sentinel”?

K.K.D: Boa pergunta. Minha intenção era trazer um pouco do transcurso de minha vida nesta nova jornada, e uma ótima música como “The Sentinel” merecia uma sequência e ganhar outra vida. Agora a sentinela, após um milênio zelando por planeta, infelizmente encontra a morte. Mas talvez haja uma ressurreição, quem sabe? [Risos]

Há muitas, muitas coisas que quero fazer. É por isso que já comecei a compor as músicas para o próximo álbum [do K.K.’s Priest]. Tudo já está muito, muito avançado. Não posso mais parar. Faço 70 anos em breve e me sinto revigorado, diferente. O metal de antigamente ainda está lá; os fãs conseguem identificá-lo, mas agora estou podendo tocar muito mais solos de guitarra! [Risos]




MV: Você soube que a primeira tiragem do seu livro está quase esgotada no Brasil?

K.K.D: Sério? Isso é fantástico!


MV: Poucos meses após o lançamento do seu livro no Brasil, outra editora lançou o livro do Rob [Halford]. Você chegou a ler?

K.K.D: Não.


MV: Sobre a sua saída do Judas Priest, Rob escreve o seguinte: “O e-mail de resignação do K.K. veio completamente do nada. Nenhum de nós esperava por isso nem de longe, e todos ficamos totalmente desconcertados. Não tínhamos ideia de que a insatisfação dele era intensa o bastante para levá-lo a sair da banda. Intencionalmente ou não, ele nos afundou na merda”. Eu gostaria que você comentasse a respeito da fala.

K.K.D: O fato é que o Rob, em 2010, lançou dois álbuns e fez uma turnê mundial. No mesmo ano avisei que não faria a turnê de despedida, que seria o fim da banda, e estávamos decididos a nos aposentar e de acordo em acabar com a banda. O que não estava disposto a fazer era a turnê de despedida, pois esperava que arranjassem um guitarrista para me substituir e, aí, a banda terminaria conforme o combinado. Tenho salvos todos os comunicados à imprensa que preparamos, dizendo que decidimos pela aposentadoria e pelo fim da banda. Isso é o que tínhamos planejado, mas não queria fazer a turnê de despedida, já que não era meu desejo encerrar o trabalho de toda uma vida, fazendo uma turnê que não iria aproveitar, por motivos vários. 

Senti que não me faria bem fazer aquela turnê. Não tinha ideia de que continuariam com a banda por mais alguns anos e, quem sabe, para sempre. Eu não estava feliz, e então as pessoas começaram a exigir que fizesse algo que não me interessava, como me preparar para essa tal turnê. Mas dito isso, em dezembro de 2010 decidi fazer a turnê e pedi que ele [Rob] me enviasse o setlist. Disse que havia mudado de ideia, e, como comecei tudo isso, entendo que deveria terminar, porém, ainda assim, um dia depois que ele me mandou o setlist e liguei de volta para ele para dizer que tinha gostado, eles enviaram um comunicado à imprensa dizendo que me aposentei da banda, ou seja, já haviam tomado a decisão de seguir em frente com o Richie [Faulkner] naquele momento. 

E eis que, duas semanas depois, recebi um e-mail do empresário do Rob dizendo que queria formar uma nova banda comigo, Jeff Loomis, Roy Z, um baterista e um baixista. Isso foi em abril de 2011. Simplesmente ignorei o e-mail, mas ainda o tenho guardado. Isso é o que as pessoas não sabem: Rob obviamente era a favor de que fizéssemos a turnê de despedida e que acabássemos com tudo logo em seguida. Então ele formaria uma nova banda e eu estaria nela. Há muito mais nessa história do que as pessoas sabem. Eu deveria ter dado mais detalhes no meu livro, mas esse não era o objetivo na época, mas sim me reconectar com os fãs e fazer com que me conhecessem um pouco mais. Mas, pensando bem, há muitas coisas de que gostaria de ter falado no livro.




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