Eric Martin passou boa parte do último mês de março em terras tupiniquins. O vocalista do Mr. Big juntou-se a Jeff Scott Soto para uma série de shows em diversos recônditos do país nos quais apresentou a públicos que variaram do mil ao milhão o que de melhor a banda que o projetou para o estrelato registrou em três décadas de atividades. De seu quarto de hotel em Quito, no Equador, pouco antes do desembarque em solo brasileiro, Martin falou e falou e falou. Como fala! E como foi divertido ouvi-lo! Boa leitura!
Transcrição: João Marcello Calil
Fotos: Alex Ruffini / Divulgação
Marcelo Vieira: Como muitas bandas da época, o Mr. Big se tornou popular no Brasil por ter músicas em trilhas sonoras de novelas. Como foi chegar aqui e descobrir que a banda ficou tão conhecida de uma forma tão inusitada?
Eric Martin: Bem, você está falando com o cara certo no Mr. Big, porque eu amo novelas! [Risos.] Falei sobre isso para o público ontem à noite, sobre como, no início do Mr. Big., ninguém tinha dinheiro. Só o Billy Sheehan [baixista] tinha dinheiro. David Lee Roth, né? [Risos.] De qualquer forma, no começo Paul [Gilbert, guitarrista] e eu éramos colegas de quarto. E o dia todo o Paul ficava tocando guitarra, até que eu dizia: “Ei, dá para baixa o volume um pouquinho?! Vai começar [a novela] ‘All My Children’!” [Risos.] Depois dela, [assisti a] “One Life to Live”, e então “General Hospital”. Sou noveleiro de carteirinha! [Risos].
Quando descobri que “Just Take My Heart” e “Wild World” viraram trilha sonora de novela, foi tão fantástico. Estar em uma novela significa mais reconhecimento. Tipo, nos Estados Unidos tínhamos o rádio, mas novelas são gigantes no Brasil. Você provavelmente não assiste, mas sua mãe com certeza assiste! É por isso que novelas são uma propaganda tão boa. Tínhamos uma base de fãs hardcore que conhecia o Billy e o Paul de trabalhos anteriores, mas quando “Just Take My Heart” e “Wild World” ficaram famosas por causa das novelas, a coisa chegou a outro patamar.
MV: No ano passado, “Lean Into It” (1991) comemorou trinta anos de lançamento. Como você se sente sobre esse disco e quão importante ele foi e ainda é na sua carreira?
EM: A resposta padrão que sempre respondi é: colocou carimbos no meu passaporte e comida na minha mesa. Meus filhos, dois gêmeos de 17 anos, estão com o futuro garantido! [Risos.] Tipo, não quer dizer que eles não precisam conseguir um emprego, mas faculdade etc. estão pagos, e tudo graças ao “Lean Into It”. O “Lean Into It” foi a melhor coisa que já aconteceu comigo e ainda é até hoje. Aquela musiquinha de nome “To Be With You”, que estava no final do disco, permitiu-me viajar para os quatro cantos do mundo. Eu nem preciso do meu passaporte, apenas digo que sou o cara que canta em “To Be With You” que eles liberam o meu visto! [Risos.] Sou o homem mais sortudo que existe!
Musicalmente, é um ótimo disco. Gosto de todos os discos que o Mr. Big gravou, mas algo sobre o “Lean Into It” simplesmente se destaca, porque todas as músicas... você sabe, é difícil escolher as músicas que vão entrar num disco e é ainda mais complicado colocá-las em ordem, mas tudo funcionou tão bem... “Daddy, Brother, Lover, Little Boy”, “Alive and Kickin’”, “Green-Tinted Sixties Mind” e “To Be With You” no final. Eu me dou um tapinha nas costas porque acho que é um dos meus discos favoritos, ou é o melhor disco no qual já cantei. Gravei muitas músicas ótimas com o Mr. Big e sei que muita gente acha que nossa melhor música é “Shine” ou outras assim, mas “To Be With You” tem os meus vocais favoritos de todos os tempos para mim. Quando me perguntam que tipo de cantor eu sou, respondo: “Ouça ‘To Be With You’”.
MV: Pensando bem, houve algum disco do Mr. Big que você gostaria que tivesse sido mais reconhecido ou vendido mais cópias?
EM: O que você acha? [Risos.] O primeiro álbum, facilmente. Meus filhos costumavam chamá-lo de “o disco do chapéu e dos sapatos” [Risos.] Acho que não ganhou nem Disco de Ouro. Gostaria que ele tivesse mais reconhecimento. E também o “Get Over It”, o álbum com o Richie Kotzen. Eu amo esse disco e amo aqueles anos com o Richie. Amo dividir os vocais com esse cara. Era um Mr. Big diferente. Sem essa de “Você prefere o Paul Gilbert ou o Richie Kotzen?”. Gosto dos dois. Enfim, acho que o primeiro álbum e o “Get Over It” mereciam ter recebido mais atenção. Dito isso, “Superfantastic”, uma música do “Get Over It”, foi número um nas paradas do Japão e de outros países. Portanto, até que obteve algum reconhecimento.
MV: Diferente de muita gente que te conhece graças ao Mr. Big, meu primeiro contato com a sua voz foi na música “These Are the Good Times”, da trilha sonora do filme Águia de Aço (1986). Essa inclusão ressoou em algo especial na sua carreira na época?
EM: Eu estava basicamente morando no sofá do meu pai, era super pobre. Não tinha carro; costumava chamar minha irmã para me levar e buscar nos ensaios, era patético. Até que recebi algumas ofertas para fazer trilhas sonoras de filmes e colocar um pouco de dinheiro no bolso. Fui abordado por um cara chamado Aaron Russo, que era o produtor de um filme chamado A Escola da Desordem (1984) e eu escrevi uma música chamada “Eyes of the World”, com Neal Schon, do Journey. Grande guitarrista, né? Neal e eu escrevemos essa música para o filme, e a trilha sonora pertencia à Capitol Records, então consegui um contrato com a Capitol por causa dessa música.
Em seguida veio o Águia de Aço. Eu costumava chamá-lo de “Top Gun dos pobres”, mas era um bom filme. Achei-o meio adolescente na época. Tinha Louis Gossett Jr., um grande ator afro-americano dos anos 1970 e 1980. Ele era o coronel ou o que quer que seja da Força Aérea, e havia uma guerra em algum lugar e todos os pilotos estavam feridos. Então eles pegaram esse garoto, interpretado pelo Jason Gedrick, para voar. Lembro-me de quando, no filme, eles estão voando em e o Louis Gossett Jr. está dizendo ao garoto o que fazer, e ele responde: “Cara, desse jeito não dá, preciso botar minha música” e ele pega o Walkman e a música é “Eyes of the World”.
“These Are the Good Times” não é de minha autoria; os caras da Capitol me deram aquela música. E ela toca apenas em um pedacinho do filme, mas encaixou perfeitamente no disco porque tinha uma batida muito boa. Sem contar que me colocou no mapa porque as pessoas a ouviram e concluíram: “Meu Deus, esse garoto canta bem!”. Foi um longo caminho para eu chegar lá, mas, no fim das contas, cheguei.
MV: Paul Gilbert tem dado entrevistas dizendo que o futuro do Mr. Big é incerto, que ele não sabe se quer voltar com a banda porque está gostando, segundo ele, de ser um cantor com uma guitarra. Para você, qual é o status atual da banda?
EM: Não falo com o Paul há muito, muito tempo. Ele meio que diz isso, de que está gostando de ser um artista solo, a cada dez anos ou o que quer que seja, e tranquilo. Mas quando o Pat [Torpey, baterista] morreu, parte de nossa empolgação morreu junto, e decidimos não fazer nada depois disso. Fizemos uma pequena turnê sem o Pat porque tínhamos alguns contratos para cumprir. Contamos com um amigo do Pat, o baterista Matt Starr. Fizemos uma pequena turnê em 2018, e deu tudo certo, mas sem o Pat a sensação era de que havia algo faltando. Paul está lançando álbuns, se mantendo ocupado, motivado, dando aulas... enfim, correndo atrás do dele. Ele está trabalhando como nunca. E eu também: tenho feito ópera rock com o Avantasia, shows solo e todas essas coisas, e não consigo pensar no Mr. Big sem pensar que o Pat não está mais conosco. Tivemos uma ótima carreira, muitos álbuns de sucesso, mas sem o Pat não tem a mesma energia. Dito isso, se o Billy e o Paul toparem, quem sabe? Se ambos quiserem voltar com a banda, não serei eu a dizer não.
MV: Em uma entrevista nem tão recente, Jon Bon Jovi disse: “Se eu soubesse que continuaria cantando ‘Livin’ on a Prayer’ após os cinquenta anos, nunca a teria cantado tão alto quando era jovem”. Isso se aplica a você? Tipo, quão difícil é envelhecer cantando hard rock?
EM: Concordo totalmente com ele. Por exemplo, não canto “Green-Tinted Sixties Mind” há muito, muito tempo, e somente no ensaio outro dia me dei conta de que há algumas partes muito, muito altas. E então um cara da banda sugeriu que tocássemos “Lucky This Time”. Impossível. Não consigo mais cantar essa música. Jon Bon Jovi disse isso sobre “Livin’ on a Prayer”, mas ele ainda a toca em todos os shows. Simplesmente não consigo mais dar conta de “Lucky This Time”. Meu corpo mudou, minha voz mudou, meus ossos viraram pó quando fiz 45 anos! [Risos.] É difícil. Mas tem sempre uns caras bizarros, tipo o Biff Byford, do Saxon...
MV: Glenn Hughes... [Risos.]
EM: Sim, Glenn Hughes, puta merda, exatamente! [Risos.] Ele provavelmente diria para mim: “Cale a boca! Faça umas aulas de canto!” [Risos.] Glenn Hughes recebeu esse dom de Deus, cara. Ele tem uma ótima voz que nunca desafina e soa muito bem em tudo que faz. Acho que soo bem em muitas coisas que faço, mas há outras que não consigo mais fazer. Gravei “To Be With You” em 1991. Em que ano estamos? Não vou te dizer a minha idade, ok? [Risos.] Cantar essa música todas as noites é difícil, você precisa se cuidar. Parei de beber há cinco meses, e isso fez uma enorme diferença. Aquele lockdown durante a pandemia me assustou pra caramba. Trancado em casa, eu não tinha nada para fazer, exceto comer e beber.
MV: Que artistas, bandas ou discos mudaram a sua vida depois que você os ouviu, a ponto de pensar “É isso que eu quero fazer quando crescer”?
EM: Bem, esta provavelmente não é a resposta que você quer ouvir, mas foi uma compilação chamada “The Motown Story”. Quando eu era criança, adorava esse disco. Tinha Jackson 5, Four Tops, Temptations... Eu adorava soul music e R&B na época. Até risquei o nome “Motown” e escrevi “Martin” no meu LP, que guardo até hoje, “The Martin Story” [Risos.] Comecei a ouvir rock quando tinha 12 anos ou algo assim. O primeiro álbum do Bad Company; eles estão entre os meus heróis. Queen foi outra banda icônica. Dá para ouvir totalmente a influência do Queen, das inflexões do Freddie Mercury, no Jeff Scott Soto. Para mim, Paul Rodgers, do Bad Company, quando estava na banda Free, sabe? “All Right Now”, “Wishing Well”, “Fire and Water”...
MV: E “Mr. Big”!
EM: Pode crer! [Risos.] E o “Rockin’ at the Fillmore”, do Humble Pie? E tinha outro album chamado “Smokin’”... É isso: fui da soul music e do R&B direto para a invasão britânica dos anos 1960 e 1970. Paul Rodgers e Steve Marriott tinham esse lado R&B, blues e soul. Ambos tinham voz grave, e eu emulava esses caras quando era jovem, sendo “emulava” um eufemismo para “copiava”. [Risos.]
MV: O que você tem ouvido ultimamente?
EM: Ai, meu Deus. Ninguém nunca me pergunta isso, então não tenho uma resposta. Tenho ouvido muito Mr. Big, serve? [Risos.]. Toco muito Mr. Big quando faço meus shows solo pelo mundo. Todo mundo realmente ama o Mr. Big, e isso me deixa muito feliz! Você sabe, músicas como “Addicted to That Rush”, “Road to Ruin”, todas as baladas, “Temperamental”. Cara, eu amo essa música!
MV: O que podemos esperar de Eric Martin para 2022?
EM: Mais do mesmo. Assim como muitos artistas, fiquei parado em razão da pandemia. Muita gente fez podcasts e lives, mas eu não. Ativei o “modo pai”, fui a muitos jogos de basquete com meus filhos. Há muitos anos não tinha momentos assim, em família, por viver na estrada com o Mr. Big. A pandemia foi terrível, e ainda é, mas pude passar muito mais tempo com meus filhos. Não sei quando o próximo disco do Avantasia vai sair, mas o Tobias [Sammet] acabou de terminá-lo, e eu canto em uma música que é muito, muito boa. Enfim, muita coisa está para acontecer. Recomendo que você fique ligado na minha agenda! [Risos.]
Saiba mais sobre Eric Martin:
Could you please post this in English as well or a link to an English translation? Thanks.
ResponderExcluirLong time Eric/Mr Big fan
Uau! Excelente entrevista!!! O Eric é mesmo incrível, um cantor Phod4 e um ser humano incrível sim! Eu arrisco em dizer, sem medo de errar, que ele é o MELHOR desse mundo! #EricMartin.
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