ENTREVISTA: Hugo Purcino e Raul Fontanelle falam sobre o debut do Far Beyond Empire

 


Reflexões políticas aliadas a um death metal de timbragem moderna e produção de alto nível: é isso que os cariocas do Far Beyond Empire apresentam em “Sleepwalking Society”, seu disco de estreia e fruto de cinco anos de trabalho. Às vésperas do primeiro show da banda em 2022, o vocalista Hugo Purcino e o baterista Raul Fontanelle falam sobre as motivações por trás de suas letras furiosas e antecipam: o próximo trabalho será mais furioso ainda. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Gostaria de começar falando sobre esse rótulo, “modern death metal”. Entendo que essa “modernidade” não se dá somente nos timbres, mas na temática também, né?

Hugo Purcino: A gente sempre se rotulou como uma banda de metal. Esses subgêneros que foram dados para a gente vieram com o tempo. Mas o foco mesmo é fazer metal; o que der na telha, faremos.

Raul Fontanelle: O ponto principal foi que cada um de nós trouxesse suas influências, para que todos pudessem por um pedaço de si dentro do que viria a se tornar a nossa música. Daí fomos ganhando essas denominações, “modern death metal” etc. Mas não foi uma escolha nossa sermos classificados assim, não. 



MV: Na minha interpretação, o título “Sleepwalking Society” refere-se àquela sociedade prisioneira nas grades do celular. É isso mesmo?

RF: É por aí sim. Mas além dessa questão do celular, a vida está um caos e a gente prossegue entorpecido entre selfies e memes, basicamente. Quer dizer, o mundo está pegando fogo e a gente está nessa coisa de cada um remando o próprio bote. Mas tem uma questão mais psicológica, interior.

HP: Nessa questão do sonâmbulo a gente está referindo tanto a questões políticas. Muitas pessoas seguem um ditador, mas não entendem nada sobre o assunto; só querem seguir ali, não estão acordadas, sabe?



MV: O famigerado gado, né?

RF: Tem sempre um Batman, cara. Foi assim com o [Fernando] Collor, né? Houve tantos outros “paladinos da justiça”. A história se repete o tempo todo!

HP: E também há a questão da tecnologia. Uma das músicas, “Who Watches the Watcher”, fala sobre como a gente aceita esses termos da internet que permitem que sejamos espiados, como a gente deixa a internet controlar a nossa vida. Ela que dita quais são as tendências, o que é bom para você e o que não é, então nessa música a gente fala disso, desse mundo ilusório que é a internet.



MV: Reparei que as letras falam geralmente sobre problemas que assolam a sociedade, como ganância, egoísmo, desigualdade. Pode parecer uma pergunta meio besta, mas a inspiração para essa escrita raivosa, contestatória, vem de onde? Vocês já sofreram algum tipo de preconceito ou injustiça ou as letras são fruto daquilo que vocês veem ou leem?

HP: Aqui é Brasil, né? Se a gente falar que a gente não sofre com nada disso... é impossível dizer que ninguém nunca sofreu nenhum tipo de intolerância, preconceito. A gente fala na letra de “Capital” sobre a exploração que sofrem os trabalhadores. São coisas que todo mundo já viveu e a gente tenta botar isso para fora. A gente quer deixar claro que não acha isso certo. Muitas vezes o errado acaba se tornando uma coisa tão comum no dia a dia que as pessoas acabam o aceitando.



MV: Para vocês, o poder e o dinheiro, necessariamente, corrompem?

RF: Pergunta complicada! [Risos.] Assim, eu tenho fé que há de surgir alguém que consiga olhar para o poder e, tendo o poder nas mãos, se pergunte: “o que eu posso fazer de bom a todos ao redor?”. Então, sim, ainda acredito no ser humano e ainda acredito que isso pode acontecer.



MV: Vocês sentem que o rock está “encaretando” hoje em dia?

RF: Hoje em dia a gente tem visto punk conservador e outras coisas abstratas ou bizarras. Mas, via de regra, o rock é um movimento contestatório. A gente tem uma desigualdade social absurda, desigualdade de gênero absurda, desigualdade racial absurda... está tudo errado! 

Mas voltando à sua pergunta anterior, tenho fé que um dia surja uma pessoa, agora fazendo uma comparação nerd, que consiga o anel e o jogue fora ao invés de querer o reino para si.



MV: O Brasil está vivendo o maior momento de retrocesso cultural e de valores que a gente poderia imaginar. Vocês veem saída para isso?

RF: Não me arrisco a pôr a mão no fogo por político nenhum. Acho que o principal que o povo tem que aprender é que ele tem nas mãos um dispositivo [aponta para o celular] que é capaz de fazê-lo encontrar a verdade. Se você não for lá e pesquisar, vai ficar sempre abraçando tudo o que te enfiam goela abaixo sem nenhuma reação, sem nenhum senso crítico, sem se aprofundar para ver se aquilo ali é verdade, se é verdadeiro ou não.

Para mim, é inadmissível pensar em votar em uma pessoa que fala o que o [Jair] Bolsonaro falou sobre as minorias. O povo é a maioria; se quiser tomar o poder, o povo toma. Eles são a massa, eles são a cultura, eles são a origem de tudo. Cinquenta e sete milhões de brasileiros acharam que ele [Bolsonaro] era uma boa saída. Como é possível isso? É para evitar esse tipo de coisa, parar de aceitar tudo que lhe é enviado, que devemos usar esse dispositivo [aponta novamente para o celular] para buscar conhecimento e parar de achar que tem um novo Batman se candidatando para salvar Gotham City. Isso não existe, né?



MV: A última música do disco, “Freedom”, fala sobre liberdade de escolhas. É como se vocês estivessem hasteando justamente uma bandeira em prol das minorias, dos oprimidos. Vocês consideram o rock um meio inóspito para negros, homossexuais ou veem que isso vem mudando com o passar do tempo?

HP: Depende muito do quanto você se expõe. Se você for mais “na sua”, não vira alvo, mas ainda é um lugar onde não há como se sentir completamente seguro se você for negro ou gay. Infelizmente, o rock ainda não é um lugar seguro para as minorias.

De todo modo, existem eventos, como o Tomarock [em Duque de Caxias, RJ], muito voltados para essas minorias. Grande parte do público é formada por negros, gays etc. Então você se sente acolhido.



MV: E como vocês se sentem quando veem um suposto “brother of metal” comprando esses discursos reacionários, preconceituosos e se comportando feito gado?

RF: [Risos.] Acho graça. É o boi idolatrando o açougueiro. Para mim, é de dar pena.

HP: Minha vontade é chegar e perguntar: “pô, você já leu alguma letra de metal, de rock? Entendeu qual é o conceito? Parece que não...” [Risos.]



MV: A pessoa cresce ouvindo Pink Floyd e não entendeu nada, né?

RF: É incrível! Ouviu o “The Wall” (1979) e vaiou quando o Roger Waters homenageou a Marielle [Franco] no show do Maracanã [em 2018].



MV: O disco de vocês tem 37 minutos. Ao término dele, para vocês sentirem que a missão foi cumprida, o que esperam que o ouvinte tenha sentido ou que despertado dentro dele?

HP: Acho que a música tem que envolver sentimento. Se você ouve uma música e não sente nada, ela não cumpriu o papel dela. Então, para mim, as nossas músicas têm que levantar essa questão do protesto, de não aceitar o que você está vivendo e também despertar a curiosidade de pesquisar sobre o que a gente está falando. Muita gente pega a letra, lê de cima a baixo e depois vem me perguntar como que surgiu. Isso é muito interessante! Acho que esse é o papel principal da música: fazer você ver além do que apenas ouvir o som. Então é isso que eu quero despertar nas pessoas; fazer com que elas pensem, mudem, sintam algum tipo de emoção. Sempre que alguém me fala, por exemplo, que gosta de malhar ouvindo a banda... cara, isso é sensacional. Alguma coisa você desperta na pessoa, então sinto que meu dever foi cumprido.



MV: Em meio a variantes e o c#ralho a quatro, o que 2022 promete para o Far Beyond Empire?

HP: Nosso foco é fazer shows, mas já estamos compondo o novo álbum aos pouquinhos.



MV: O que vocês podem antecipar em relação ao novo álbum?

HP: Vai ser mais pesado!



MV: Mais pesado? É possível? [Risos.] Imagino, então, que a pandemia tenha desempenhado um papel na escrita, né?

RF: Sim, com certeza. Estamos todos um pouco mais impacientes com tudo. [Risos.] Ver a história se repetir cansa um pouco, para falar a verdade.



MV: O espaço final é de vocês. Mandem o recado!

RF: Nossa meta em 2022 é fazer o álbum [“Sleepwalking Society”] acontecer no palco. Sempre que nos permitirem, tocaremos o álbum inteiro, faremos todo mundo vibrar junto ao som. Espero que todos que lerem essa entrevista tenham a certeza de que estamos de pé, trabalhando duro, mais unidos do que nunca e que vamos continuar protestando, seja onde for.

HP: Faço minhas as palavras do Raul e acrescento: apoiem o metal nacional. Fazemos música para um público bem restrito, mas é ele que faz a gente continuar de pé. Nosso muito obrigado a todos que seguem conosco!



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