Tive a oportunidade de entrevistar Sharon den Adel pela segunda vez em pouco mais de um ano. Será que na terceira posso pedir música — do Within Temptation, é lógico — no Fantástico?
Desta vez o papo foi sobre “Don’t Pray for Me”, recém-lançado single do Within Temptation, que antecipa o vindouro álbum de estúdio e duas turnês — uma abrindo para o Iron Maiden e outra dividindo o posto de atração principal com o Evanescence.
Boa leitura!
Transcrição: Leonardo Bondioli
Fotos: Divulgação
Marcelo Vieira: Do ponto de vista humano e artístico, podemos dizer que havia uma Sharon antes da pandemia e existe outra depois? O que mudou dentro de você, na sua forma de pensar, agir e encarar a sua arte?
Sharon den Adel: Talvez sim, mas não mudei muito, eu acho! [Risos.] Estou gostando de tocar ao vivo mais do que nunca, isso é verdade, mas de resto... acho que nada mudou!
MV: A letra de “Don’t Pray for Me” denuncia um dos maiores males do mundo de hoje, que é a intolerância; em especial a intolerância religiosa. Para você, qual é o remédio para curar esse mal — se é que você acredita que há uma maneira de curá-lo de vez.
SdA: Vai levar muito tempo para encontrar essa cura. Acho que o ponto de partida seria as pessoas tomarem ciência de que todos são diferentes e aceitarem isso, e você não precisa parar de ter a sua fé nem nada. Acho que a religião pode ser uma coisa muito benéfica se você precisar dela, se você realmente tiver a sua fé e guardá-la para si mesmo, e não tentar impô-la aos outros.
O que eu acho complicado na religião são as pessoas que têm uma fé julgarem aquelas que não têm. Para mim, tanto faz se a pessoa tem uma fé ou não, então quem eles acham que são para me dizer que vão salvar a minha alma? [Risos.] Não sigo uma religião, e essa atitude do tipo “holier-than-thou” é o fim da picada. Praticamente todas as religiões dizem que somos todos iguais e devemos estar lá uns para os outros, mas as pessoas de fé tendem a esquecer isso, porque o poder fala mais alto.
MV: Se pensarmos bem, a intolerância geralmente parte de pessoas que pregam a caridade, a bondade; que dizem ter Jesus no coração, mas não agem conforme a Palavra de Deus. O que você pensa a respeito dessas pessoas? Que conselho daria a elas?
SdA: Como eu disse, tanto faz para mim se você tem uma fé ou não. Independentemente disso, guarde para você, e saiba que você não precisa de uma igreja para ir bater ponto. Você pode exercer a sua fé em casa, do seu jeito. Chama-se “fé” por uma razão; não é um fato nem uma ciência. Pelo menos para mim. [Risos.]
MV: A letra abre com um sampling que diz “Will all who wish to die please raise their hands”…
SdA: Isso, e de certa forma acho que imediatamente fisga o ouvinte. “Todos que desejam morrer, por favor, levantem suas mãos”. Tipo, “O que foi que ele disse?”. Então sentimos que, ok, isso seria muito útil para as pessoas mergulharem de cabeça na letra.
MV: Quando vocês lançam uma música assim, tomam por missão conscientizar o ouvinte da banda de alguma forma, buscando torná-lo um ser humano melhor?
SdA: Não necessariamente, mas sempre espero, é claro, que alguém tire força disso e se sinta empoderado para tomar as rédeas da própria vida e ter a vida que deseja de que precisa; ser quem quiser ser, tomar as decisões certas e talvez estar aberto ao diálogo. Não espero que as pessoas passem a pensar igual a mim; o que realmente espero é que elas comecem a pensar por conta própria, pensando igual a mim ou não.
MV: Algo que sempre leio é a respeito de como a música do Within Temptation é importante para os fãs em momentos difíceis; como eles encontram conforto e alento na música de vocês. Para você, esse é o tipo de feedback que faz tudo valer a pena?
SdA: Com certeza! Acho que isso é o que toda música deveria fazer: te empoderar, te confortar, te fazer feliz, te deixar melancólico; enfim, todas essas emoções. É sobre isso, sabe? Música é sobre realmente entrar em contato com as suas emoções. Isso é o que a música é para mim.
MV: Você sente o peso dessa responsabilidade?
SdA: Bem, não digo às pessoas para fazerem algo e nem digo a elas quem devem ser, apenas as instigo a questionar. Talvez elas nem prestem atenção nas letras, sabe? Na maioria das vezes, muitas pessoas apenas cantam junto sem se dar conta de o que estão cantando! [Risos.] Isso é engraçado. Enfim, não sinto o peso dessa responsabilidade. Acho que tenho por responsabilidade não ter medo de falar sobre certas coisas.
MV: Musicalmente, “Don’t Pray for Me” soa como uma combinação do melhor das coisas antigas misturado com algumas das coisas novas. Você concorda?
SdA: Concordo totalmente. Não foi intencional; apenas todas as peças se encaixaram dessa forma. [Risos.] Acontece às vezes.
MV: Você também concorda que a música do Within Temptation está ficando mais acessível e, por consequência, alcançando um público mais amplo?
SdA: Aí não. Acho que o que tentamos fazer é não soar defasado, então estamos sempre trazendo algo novo toda vez e nos inspirando em novas bandas, novos sons; queremos soar como 2022 em vez de 2000, porque isso mantém a experiência interessante para nós também. Não é como se estivéssemos tentando alcançar um público mais amplo; é mais como se estivéssemos tentando “importar” outros públicos, de alguma forma. [Risos.]
MV: Quais novas bandas estão te inspirando no momento?
SdA: Eu poderia citar principalmente o Asking Alexandria, que é uma das bandas que mais me impressionam porque eu amo o vocalista, a maneira como ele canta e também a música. Metalcore é algo que tenho ouvido muito no momento e é muito inspirador, mas nunca deixei de ouvir as coisas que costumava ouvir. O Nirvana ainda é a minha banda número um.
MV: Podemos dizer que, musicalmente, “Don’t Pray for Me” representa bem como o próximo álbum de estúdio da banda soará ou seremos surpreendidos de alguma maneira?
SdA: Bem, se você ouvir todas as quatro músicas que acabamos de lançar, elas são bem diferentes umas das outras, mas ainda assim todas seguem um fio condutor, especialmente nas letras, e todas são muito pesadas, na minha opinião. Não há nada de leve ou melancólico nessas músicas. Sempre fomos meio “dark” e sempre tivemos um certo som, mas isso muda porque, como eu disse, estamos sempre focados em encontrar uma versão mais nova de nós mesmos na esperança de encontrarmos, também, uma versão melhor de nós mesmos. Se estamos conseguindo, cabe ao ouvinte decidir. [Risos.]
MV: Além do novo álbum, o segundo semestre trará como novidades a turnê abrindo para o Iron Maiden e, finalmente, a turnê junto com o Evanescence. Como está a expectativa e a preparação para ambas?
SdA: São duas preparações muito diferentes, porque com o Iron Maiden vamos abrir, na verdade, em duas datas na Polônia e uma semana depois em Barcelona. Estamos encarando como uma prévia do que faremos na América. Com o Iron não dá para levarmos tudo que temos porque eles já têm o palco deles, a estrutura deles, o Eddie deles. [Risos.]
Com o Evanescence seremos co-headliners, então faremos o show completo, com tudo que se tem direito.
MV: O que podemos esperar desses shows em termos de repertório?
SdA: Já estamos tocando algumas músicas novas e o repertório é sempre uma mistura delas com outras mais antigas. Em shows é necessário ter dinâmica, então você alterna músicas que o público já conhece bem e espera ouvir com outras novas, porque são elas que nos mantém em movimento, é claro.
MV: Para encerrarmos, qual é o seu recado para os fãs que aguardam ansiosamente a próxima vinda da banda ao Brasil?
SdA: Está nos planos voltarmos ao Brasil no ano que vem. Não tenho certeza se isso será possível, mas garanto que estamos analisando seriamente a possibilidade; como fazer e com quem vamos fazer, o que é possível e o que não é possível. É de fritar o cérebro, mas estamos trabalhando nisso!
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