Com uma carreira marcada por ousadia e provocação, o Brujeria está prestes a trazer sua explosiva mistura de metal extremo e mensagens contundentes ao público brasileiro mais uma vez. Celebrando três décadas desde o lançamento de seu icônico álbum “Matando Güeros” (1993), a banda está desde semana passada incendiando os palcos brasileiros tocando-o na íntegra. Passados os compromissos em Santos, Curitiba e Vila Velha, o grupo prosseguirá para apresentações em Belo Horizonte (22/08), Brasília (23/08, com Gangrena Gasosa), Rio de Janeiro (25/08, com Ratos de Porão, Gangrena Gasosa e Velho), São Paulo (26/08) e Florianópolis (27/08).
Além disso, a expectativa aumenta para o lançamento de seu novo álbum, “Esto Es Brujeria”, marcado para setembro, que promete desencadear mais uma onda de reflexões e discussões. Nesta entrevista exclusiva, tive a oportunidade de conversar com Juan Brujo, vocalista do Brujeria, sobre o retorno ao Brasil, memórias de um show histórico no Rio de Janeiro em 2007 e os momentos em que a contundência de suas letras chamou a atenção de figuras de poder, como quando o Serviço Secreto bateu em sua porta para questionar letras contrárias a Donald Trump e o Twitter derrubou sua conta após postagem atacando Jair Bolsonaro.
Boa leitura!
Por Marcelo Vieira
Transcrição: Beatriz Cardoso
Fotos: Divulgação
Como o novo álbum “Esto Es Brujeria” contribui para a narrativa musical contínua do Brujeria?
Esse novo álbum tem muitos temas relacionados à vida moderna, à internet e a assuntos que acho interessante comentar, então está bem legal; soa um pouco diferente, mas acho que soa bacana demais.
Considerando que o mundo está passando por mudanças significativas, como a pandemia de COVID-19 e tensões geopolíticas, qual é a importância de abordar temas tão sensíveis e carregados de significado?
Para mim é importante quando você tem uma figura como aqui tivemos o Donald Trump, que estava dificultando a vida de muitas pessoas, então lançamos alguns singles sobre ele, e a nossa abordagem é muito, muito direta. O Trump enviou a polícia do serviço secreto até minha casa com coletes à prova de balas e armados até os dentes para me levar sob custódia ou algo assim. Foi a primeira vez que isso aconteceu comigo, sendo que eu não tinha feito nada de extraordinário. Eu disse a eles: “Vocês só podem estar de sacanagem, né?”
Mas aí no Brasil não deve ter sido muito diferente com o [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Uma vez eu tuitei dizendo que ele era como um Trump bebê e no dia seguinte derrubaram a minha conta [do Twitter], tiraram-na do ar. O Bolsonaro tem muita gente online garantindo que ninguém fale mal ele. Quando minha conta foi derrubada, concluí: “OK, esse cara é pior que o Trump”. Não consigo imaginar a quantidade de coisas que ele deve ter destruído por aí. Aqui, o Trump nos fez retroceder uns cinquenta anos; é como se fosse cinquenta anos atrás agora, sabe? É louco o quanto ele nos fez retroceder e me assustou ver um cara copiar exatamente o que o Trump fez aqui e ainda lamber as botas dele. É assustador saber que eles poderiam ter tomado o país sem guerra. Temos músicas sobre isso no novo álbum.
Você está preparado para lidar com as possíveis críticas ou interpretações errôneas que podem surgir a partir de títulos como “Lord Nazi Ruso”, por exemplo?
Sinceramente? Não estou nem aí. Sei o que estamos fazendo. Se alguém não gostar, que se dane. Quando “Matando Güeros” foi lançado há trinta anos, uns vinte, vinte e cinco países o proibiram de cara, sabe? Lojistas de todo o mundo disseram: “De jeito nenhum que vamos vender isso. Estamos mandando de volta para a Roadrunner [Records, gravadora]”. Passado um tempo, eles acrescentaram: “Quer saber? Estamos mandando de volta todo o catálogo da Roadrunner. Não vamos vender mais nada da Roadrunner”. Aquilo quase decretou o fim da gravadora. Eles [os executivos da Roadrunner] me ligaram às seis da manhã perguntando: “O que diabos você está cantando nessas músicas?” e eu respondi. Eles deram mole de não colocar um aviso no disco. Mas quando fiz essa sugestão, o que me disseram foi: “Não precisa, porque as letras estão todas em espanhol e ninguém liga para o espanhol”. Só que aí deu m#rda: todo o catálogo voltando para a gravadora. No fim das contas, tudo foi resolvido, mas foi uma baita dor de cabeça para mim. Agradeço a Deus que a Roadrunner ainda esteja por aí, vendendo discos e sobrevivendo às mudanças.
O que você acha que torna o “Matando Güeros” tão especial e, ao mesmo tempo, tão atemporal?
Creio que a crueza, pois não tivemos muito tempo. Nos reunimos e tentamos fazer tudo o mais rápido possível. Fomos para o estúdio sem termos nada escrito; tivemos que escrever as músicas e gravá-las no mesmo dia. E foi engraçado, porque funcionou, e funcionou tão bem que continuamos fazendo isso até hoje. Dá para ouvir naquelas músicas o quanto nos divertimos fazendo-as. E veja só você: tem gente que nem era nascida quando o “Matando Güeros” foi lançado indo aos shows dessa turnê. Isso explica o porquê o disco é tão forte até hoje.
Quando você pensa no mundo na época em que o “Matando Güeros” foi lançado e o mundo de hoje, alguma coisa mudou para melhor ou tudo piorou ainda mais?
Houve melhorias. Quando o “Matando Güeros” foi lançado não havia internet. Com a internet, algumas coisas melhoraram e outras pioraram, mas tudo mudou. Naquela época, sem internet, ninguém sabia quem nós éramos. Os discos apareciam nas gôndolas do nada. Depois, com a internet, começaram a vazar antes do lançamento. Meu pensamento ainda é meio old school, mas está cada vez mais difícil continuar desse jeito ante as grandes mudanças que o mundo vem sofrendo.
A identidade cultural mexicana é muitas vezes explorada nas letras e na imagem da banda. Como você acha que a Brujeria contribui para a preservação e reinterpretação da cultura mexicana?
O tráfico de drogas e as coisas de cartéis no México são cotidianas; é algo que todo mundo conhece e com o qual lida todos os dias. Não é como se estivéssemos realmente entrando em território proibido, sabe? Não é bem-visto, mas está lá, e as pessoas sabem disso, e estamos apenas contando a elas o que sabemos sobre isso.
A violência é outro tema recorrente nas letras da banda. Como você vê a relação entre essa representação artística da violência e a realidade do mundo?
A violência que retratamos é a que acontece todos os dias. Nossas músicas são como relatos de coisas que aconteceram, que acontecem no lado obscuro do mundo em que vivemos. Colocamos de uma forma em que é você quem decide o que quer pensar a respeito, mas tentamos adicionar um pouco de humor para dar alguma leveza. Espero que [nossas músicas] permaneçam como um registro, um documentário de nossos tempos.
O Brujeria tem uma base de fãs entusiasmada no Brasil. O que a banda está esperando dessa próxima vinda ao país?
Só queremos fazer festança e deixar todo mundo feliz. Nosso show é um show de alta energia, e só queremos que todo mundo se divirta, que nada de ruim aconteça e todos voltem para casa felizes. Até agora, na turnê “Matando Güeros”, em todos os lugares em que tocamos, as pessoas saem felizes, tendo se divertido e falando sobre como foi um ótimo show e blábláblá. É só isso que queremos: proporcionar um bom momento para todos.
Vocês notaram diferenças na reação do público brasileiro em comparação com outras plateias ao redor do mundo? Como a energia do público brasileiro se destaca para você?
É duas vezes mais intensa. O público brasileiro é muito fervoroso. Acho que só perde para o público chileno. Faz sentido: no Brasil, vocês não falam espanhol, então acabam tirando um pouco menos da experiência do que quem fala espanhol. Mas ainda assim é muito forte; são shows sempre muito loucos.
Há alguma lembrança ou experiência marcante das vindas anteriores ao Brasil que você gostaria de compartilhar?
Minha favorita foi em 2007, no Rio de Janeiro. O [baixista] Jeff Walker estava usando um chapéu de cowboy, e alguém pulou no palco e roubou o chapéu. Ele ficou p#to e saiu do palco. Tivemos que parar o show e as pessoas começaram a pedir: “Devolvam o chapéu!” Depois de um tempo, um cara subiu no palco armado e disse: “Devolvam o chapéu ou vamos acabar com vocês”, e as pessoas começaram a sair correndo quando viram o cara armado. Ficamos nos perguntando: “Quem é esse cara? De que facção ele é?”. “De nenhuma, ele é policial”. Pois é: lá estava ele, em cima do palco, com a arma apontada, gritando para as pessoas. Meu Deus! Daí tocamos mais algumas músicas e fim de papo. Foi uma loucura. O show foi numa quadra de basquete em uma escola numa comunidade. O som era muito ruim e eu mal conseguia acreditar que estávamos tocando num lugar feito aquele. Ainda bem que nada de pior aconteceu quando o cara sacou a arma. Não conseguimos reaver o chapéu naquele dia, mas um ano depois encontraram o cara que o havia roubado e mandaram o chapéu de volta para o Jeff na Inglaterra. Percebe o quão incrível é isso? As pessoas realmente se esforçaram para fazer o favor de enviar o chapéu de volta!
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