ENTREVISTA: Leather Leone fala sobre Chastain, Ronnie James Dio e pioneirismo no metal


Em meio a uma temporada pelo Brasil, Leather Leone compartilha experiências marcantes e perspectivas sobre sua carreira, incluindo os tempos de Chastain e lembranças afetuosas com ícones como Ronnie James Dio. Aos 65 anos, a cantora oferece uma visão fascinante sobre sua jornada musical, discute os desafios enfrentados como uma das pioneiras no metal e reflete sobre a evolução da aceitação feminina na indústria ao longo dos anos. Por fim, versa acerca de seu mais recente trabalho, “We Are the Chosen” (2022), a parceria com o guitarrista brasileiro Vinnie Tex e revela algumas surpresas empolgantes reservadas para seus fãs nos próximos meses, destacando seu compromisso contínuo com a música e seu público.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Fotos: Marcos Trojan/Divulgação


Primeiramente, quais são suas expectativas para os shows no Brasil?

Olha, eu amo o Brasil. Me sinto em casa. É um país muito ligado ao metal. E vocês me aceitam tão bem. Sempre foram muito acolhedores comigo. Vai ser insano. Todos os shows que fiz aí desde 2014 foram loucos. A energia, as músicas. Espero que seja uma loucura.


O que os fãs podem esperar em termos de setlist?

Minha banda e eu temos falado muito sobre isso. Vou tocar algumas músicas mais antigas do Chastain, que sei que as pessoas querem ouvir. Acho que as pessoas vão ficar tipo, “caramba, eu lembro dessa música!”.


Você tem alguma lembrança especial dos shows passados no Brasil?

Tive uma experiência emocionante na turnê de 2016 com o Rob Rock. E me desculpe, sou péssima com nomes e essas coisas. Mas os locais estavam lotados e repletos de energia. E foi muito bom. Tive uma equipe muito boa naquela vez. Mas, sabe, eu simplesmente adoro a vida na estrada; qualquer turnê, qualquer show que seja. Mas, novamente, eu amo o Brasil. Amo o povo, o clima, a comida. A cerveja! Sim, me apaixonei pela cerveja daí.


O que você mais gosta na interação com o público durante as apresentações ao vivo?

Acho que é a reação às músicas. [David T.] Chastain escreveu essas músicas incríveis que me permitiram chegar até aqui. E ter uma pessoa de 20 anos cantando “Angel of Mercy” junto comigo é de aquecer o coração. Porque é a música que nos une a todos.



Como surgiu a parceria com o guitarrista brasileiro Vinnie Tex?

Conheci o Vinnie na turnê com o Rob Rock. Ele era o guitarrista do Rob Rock. Eu não estava o utilizando. Daí, começamos a conversar. Tínhamos a mesma ideia sobre música, embora o inglês dele e o meu português não fossem realmente compatíveis. Foi uma conversa bastante difícil, mas demos um jeito. E eu sabia que queria fazer algo além do Chastain. Queria sair um pouco daquela prisão em que eu estava. E ele realmente queria compor. Então, começamos a nos tornar amigos a partir daí. Isso se desenvolveu para o [álbum] “We Are the Chosen”.


Existe alguma diferença perceptível entre colaborar com um músico brasileiro e músicos de outros países?

Existe. Isso é algo que também gostei no Brasil. A abertura total do Vinnie para explorar diferentes caminhos, compor novas músicas, desenvolver ideias. Além do mais, esta é a primeira vez que estou envolvida desde o início. Tipo, trabalhei com o Chastain por anos. Ele me apresentava basicamente as músicas já prontas. “Aqui está. Faça assim.” Então, eu realmente não tinha muita participação além dos vocais. Portanto, trabalhar com o Vinnie me permitiu pensar, “caramba, eu posso realmente compor uma música!”.


Você poderia compartilhar algumas experiências significativas na criação do “We Are the Chosen”?

Infelizmente, mas felizmente, a pandemia aconteceu. Vinnie estava no Brasil e eu nos Estados Unidos. Então, simplesmente escrevemos assim, do jeito que estou conversando com você agora. Foi um trabalho realmente árduo e eu não sou a pessoa mais paciente do mundo. Gosto de terminar uma música e seguir para a próxima. Mas o Vinnie não é assim. Então, foi difícil. Não sou uma pessoa fácil de se trabalhar musicalmente. Então, muitas vezes ele apenas saía e me deixava falando sozinha. É realmente difícil acreditar quando converso com alguém como você e penso em como todas as músicas eram apenas “da da da da da”. E então, ver no que elas se tornaram, é uma sensação realmente legal.


Além do método, a pandemia influenciou o conteúdo do álbum?

Influenciou demais. Porque antes da COVID, eu havia perdido uma turnê e minha vida musical estava em caos. Eu não sabia o que ia fazer, para onde ir. Minha equipe meio que se dissipou e eu estava sozinha. Então, realmente influenciou. “Nós retomamos o controle e somos os escolhidos”. Deus, eu penso nessa letra, em todas as mentiras. Eu estava irritada. Estava desabafando. Sim, foi caótico.



Vamos voltar no tempo agora. Uma coisa que poucas pessoas sabem é que o Chastain foi originalmente formado por Mike Varney, CEO da Shrapnel Records. Bandas formadas dessa maneira geralmente não sobrevivem por muito tempo. Na sua opinião, o que permitiu ao Chastain perdurar?

Não sei por que as pessoas se apegaram tanto a essas músicas. A razão pela qual eu me interessei em trabalhar com David foi porque, naquela época, ninguém neste país escrevia músicas assim. Ele me disse que usava muito a escala flamenca e apenas escrevia de forma esotérica e com aquela pegada mediterrânea. Isso era realmente um diferencial. Mas não sei o que levou as pessoas a transformarem “Angel of Mercy” e “Voice of the Cult” em hinos. E também acho que, naquela época, não era tão comum mulheres cantarem nessas bandas [de metal]. Éramos quantas? Eu, Doro [Pesch, do Warlock], Ann Boleyn [do Hellion], Betsy Bitch [do Bitch], Debbie [Gunn, do Sentinel Beast]. Então acho que pode ter tido algo a ver com isso. Perduramos, sim, mas nunca estouramos.


Depois que você saiu do Chastain em 1992, David tentou vários cantores e também fez uma turnê com ele mesmo nos vocais principais. Como foi para você ver a banda de volta com outra pessoa ao microfone que não você?

Eu realmente não prestei atenção. Eram tempos pré-internet, costumávamos escrever cartas um para o outro. Sério, só vim tomar conhecimento disso nos últimos 10 anos. E ouvi-lo cantar foi surpreendente. Ele se saiu bem com aquelas músicas.


Quais são suas lembranças favoritas de trabalhar com David nos anos 1980?

Provavelmente quando fizemos nossos maiores shows. Abrimos para o Kiss na Hara Arena em Dayton, Ohio [em 1987]. Foi muito legal. Mas novamente, toda vez que saio em turnê, é muito divertido para mim. É realmente bacana chegar de ônibus a uma nova cidade e subir ao palco. Eu realmente gosto disso. É empolgante para mim.


Essas lembranças tiveram um papel significativo quando você e Mike [Skimmerhorn, baixista] retornaram à banda em 2013?

Não diria que “retornamos”. Gravamos [o álbum “Surrender to No One”] remotamente. É assim que muitas coisas são feitas agora. Fui para Atlanta, para o estúdio do Chastain, mas não encontrei com nenhum dos caras. Acho que nem mesmo falei com o Stian [Kristoffersen, baterista]. É muito engraçado. Minhas bandas nunca estiveram onde eu moro.


Já se passaram cinco anos desde que o Chastain lançou algo novo [o álbum “We Bleed Metal 17” (2017)]. A banda ainda está na ativa?

Não sei. É engraçado, quando eu estava com ele [David] gravando o “Surrender to No One”, estávamos sentados na sala dele e ele olhou para mim e disse: “olha, não estou a fim de fazer turnês.” Pensei que ele mudaria de ideia. Costumo dizer que a cada vinte anos nos reunimos. Mas acho que David realmente se aposentou de fazer shows; ele só quer ficar em casa e tocar e gravar. Mas quem sabe?



Como é ser reconhecida como uma mulher pioneira no metal?

É estranho. É muito estranho. Não penso muito sobre isso. Conheci muitas jovens [cantoras de metal] ao longo do caminho que me disseram que eu deveria considerar uma honra. Então, vamos lá: é uma honra, mas eu meio que não levo isso tão a sério, sabe?


Você não acha que deveria ter recebido mais reconhecimento?

Ah, isso sim. Eu deveria ser maior. Deveria estar no mesmo patamar de Doro e Lita [Ford]. Mas isso não tira o meu sono. Quando eu era mais jovem, era uma grande questão. Por outro lado, não acho que eu lidaria bem com o estrelato. A fama me deixaria louca. Então estou bem assim.


Quais foram os desafios mais significativos que você, como mulher, enfrentou ao abrir caminho na cena musical?

Nunca coloquei na conta do gênero. Tenho muita dificuldade com essa coisa de gênero. Sempre fui meio “machona”, e eu adorava confundir todo mundo quando estávamos na estrada com o Chastain. Eu realmente gostava de botar a mão na massa e ajudar os roadies a carregar o equipamento. 


Como você vê a evolução da aceitação da presença feminina no metal ao longo dos anos?

Acho que a coisa se nivelou. As mulheres provaram que podem liderar bandas, podem ser headliners em turnês. Amo essas mulheres que tocam esse metal mais agressivo. São vitoriosas. Além do mais, olhe para Taylor Swift. Ela domina o mundo, não é mesmo? Não só no metal, as mulheres mostraram a que vieram.


Que conselho você daria a uma jovem que está começando uma carreira no metal?

Mantenha-se vestida. Muito simples. Não tire suas roupas. Isso sempre me incomodou e ainda me incomoda. Dependendo do que você vista ou deixe de vestir, ninguém te leva a sério ou se importa com o quão talentosa você é. Todo mundo precisa ver o talento que você tem, independentemente das roupas. Muitas cantoras mais jovens me perguntam: “como eu ganho respeito?”. Trabalhe duro e mantenha-se vestida.



Estive verificando suas redes sociais e uma das postagens mais recentes foi uma foto sua com Ronnie James Dio. Você poderia falar um pouco sobre essa amizade?

Cheguei tarde no metal. Mudei para a Califórnia no início dos anos 1980. Ouvia coisas como Led Zeppelin, Heart, Boston; rock de arena. Então fiz um teste para o Rude Girl e elas me perguntaram se eu conhecia Bon Scott [vocalista do AC/DC]. Respondi que sim e elas me disseram para tentar cantar como ele. Não consegui, mas tentei. E no decorrer desse ano, fui apresentada ao Dio e então conheci o Ronnie. Ouvi sua voz. Ainda me dá arrepios. A forma como ele enunciava, seu senso de melodia, seu timing. Ele era uma pessoa maravilhosa em todos os sentidos. Ele sempre lembrava quem você era, te chamava pelo nome. E ele não se levava tão a sério, o que era ótimo, também. Era meio palhaço. E eu costumava observá-lo nos bastidores, tomando algumas cervejas, fumando e se divertindo. E então ele subia ao palco e arrebentava. Ele era uma daquelas pessoas que entrava na sala e você ficava tipo, “uau”. Ele não era deste mundo, era realmente especial.


Você acha que herdou algumas de suas habilidades vocais?

Eu tentei, mas nunca achei que soava parecido como ele. Aprecio as pessoas que dizem isso. Definitivamente faço o estilo dele, mas quem no metal não o faz? Cheguei a vê-lo se apresentar com a voz realmente cansada. E era impressionante como ele contornava as coisas e mudava as oitavas. Às vezes eu apenas sentava ao lado dele e ficava olhando para ele em silêncio, captando a energia. E, você sabe, ele foi responsável por eu decidir voltar para a música. Quando o perdemos, fui ao seu funeral, e lá fiquei me perguntando: “o que você está fazendo da vida, Leather? Cantar é a sua vida e você não o está fazendo.” Foi por ele que voltei a cantar, com certeza.



Para encerrarmos, o que podemos esperar de você nos próximos meses?

Há tantas coisas que ainda não posso revelar. Mas vou estar realmente ocupada. Vou fazer muitos shows, participar de muitas lives. Vou fazer muitos meet and greets. Vou passar um tempo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Vou estar muito acessível às pessoas que quiserem me encontrar. Então fiquem ligados em leatherleone.com porque vai ser insano!




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