ENTREVISTA: Mark Arm (Mudhoney) compartilha impressões sobre a cena grunge e tece críticas ao consumo musical na era do streaming


Na entrevista que você está prestes a ler, Mark Arm, vocalista do Mudhoney, compartilha suas impressões sobre a trajetória da banda, a cena grunge de Seattle nos anos 1980 e 1990 e a evolução da indústria musical. Com a franqueza que lhe é peculiar, Arm desmistificou comparações com o New York Dolls, refletiu sobre a liberdade criativa do Mudhoney e teceu críticas à passividade do consumo musical na era do streaming. Além disso, expressou entusiasmo em relação à vindoura turnê da banda pelo Brasil, que acontece este mês — dia 21 em São Paulo (ingressos aqui), dia 22 no Rio de Janeiro (ingressos aqui) e dia 23 em Belo Horizonte (ingressos aqui) —, destacando a paixão do público brasileiro e sua predileção pela culinária local.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Fotos: Emily Rieman / Divulgação


Outro dia, um amigo disse que o Mudhoney é como o New York Dolls do grunge: idolatrado pelos gigantes, mas muito menos conhecido pelo público geral do que deveria ser. O que você acha dessa definição?

Bom, nós duramos muito mais do que o New York Dolls. E nossos hábitos com drogas não foram nem de longe tão intensos quanto os deles. Quanto à idolatria, isso não depende de mim, mas do público. Não reclamo de onde estamos. Até porque, conhecemos a história e as expectativas em torno de bandas como New York Dolls, Stooges e MC5. Muitas delas assinaram com grandes gravadoras achando que ficariam gigantescas e acabaram nunca chegando lá. Quando surgimos, já tínhamos visto esse ciclo se repetir inúmeras vezes com bandas que amávamos. Sabíamos que esse era o caminho que escolhemos. Se tivermos sorte, algumas pessoas vão gostar da gente. Mas nunca fomos uma banda feita para o consumo de massa.


Será a sétima vez que o Mudhoney vem ao Brasil. Acho que agora você já pode dizer o que mais gosta daqui, certo?

O público é fantástico, super entusiasmado e muito divertido. E eu sou um grande fã da comida!


O que podemos esperar dos shows marcados para este mês?

Não temos exatamente expectativas, mas temos esperanças. Esperamos que as pessoas apareçam e se divirtam.


Falando sobre o começo de tudo: o Green River, banda da qual você fez parte, é frequentemente citado como a primeira verdadeira banda de grunge. Como era a cena musical de Seattle nos anos 1980, quando a banda surgiu?

Os Melvins já estavam na ativa antes do Green River. Mas Seattle era muito diferente naquela época. A economia não era dominada pela tecnologia. Basicamente, a Boeing era a única grande empregadora. Meu pai trabalhava lá, e a cidade tinha uma pegada bem mais classe média e operária. Nos anos 2000, a economia tech cresceu cada vez mais com o avanço de empresas como Microsoft, Amazon e Google. Hoje, há muitas pessoas com muito dinheiro por aqui, o que acabou expulsando aqueles que não têm. Se não tivéssemos conseguido comprar nossas casas no começo dos anos 1990, provavelmente não conseguiríamos morar aqui agora.

Quanto aos shows, havia cerca de 200, talvez 300 pessoas que iam ver bandas locais. Mas, quando uma banda punk maior, tipo Dead Kennedys ou Black Flag, aparecia, de repente surgiam umas mil pessoas. E a gente ficava se perguntando: “De onde saiu toda essa gente?”. Porque esses caras não apoiavam as bandas locais.


Hoje, você vê o Green River mais como um produto das circunstâncias ou como uma revolução necessária na época?

Nunca pensamos nisso como uma revolução. Com exceção do Stone [Gossard, guitarrista], todos éramos parte da cena hardcore local e estávamos tentando descobrir qual seria o próximo passo. Até o Black Flag mudou e desacelerou em algum momento. Mas havia muitas bandas que só copiavam outras bandas. Quantas versões genéricas do Minor Threat eram realmente necessárias?

A cena foi ficando cada vez mais rígida sobre que tipo de música você tinha que tocar para ser aceito. E queríamos escapar disso, tentar algo novo. Isso significou revisitar discos antigos que provavelmente tínhamos vendido quando entramos no punk rock. Tentamos misturar essas influências de uma maneira diferente.


“In ‘n’ Out of Grace” começa com um trecho do filme “Os Anjos Selvagens” (1966), em que o personagem de Peter Fonda diz: “Queremos ser livres para fazer o que quisermos fazer…”. Um bom exemplo disso é “Every Good Boy Deserves Fudge” (1991), que muitos consideram seu melhor álbum, lançado pela Sub Pop, apesar do interesse de grandes gravadoras. Podemos dizer que essa prioridade à liberdade criativa sempre foi a mentalidade do Mudhoney?

Na verdade, incluímos o trecho porque achamos engraçado. No fundo, ele está dizendo basicamente que quer se drogar e transar. Não foi pensado como um manifesto ou algo do tipo. Pode até ser que algumas pessoas encarem assim, mas, para a gente, foi só uma piada muito boa.


Na sua opinião, é possível alcançar um sucesso estratosférico sem fazer concessões, sem suavizar as arestas para se encaixar no mainstream?

É possível? Não sei. Você acha que a Taylor Swift sente que está fazendo concessões? Provavelmente não. Ela está fazendo exatamente o que quer e é gigantesca.



Você acha que algo mudou na mentalidade das bandas e na unidade da cena quando começaram a ganhar destaque nacional?

Sim, mais gente começou a ir aos shows e as coisas mudaram. Acho que isso é meio óbvio.


Mas sente que a camaradagem deu lugar à rivalidade?

Não. Pode ter acontecido para algumas pessoas, tipo alguém de uma banda que ninguém lembra, que talvez tenha ficado com inveja dos que fizeram sucesso. Deve ter um monte de gente amarga por aí achando que merecia o que o Pearl Jam conseguiu. Mas, entre as bandas que realmente eram amigas, não acho que houve rivalidade. Muitos ficaram felizes pelo sucesso dos outros. Mas, claro, isso também teve um lado negativo: algumas pessoas simplesmente não conseguiram lidar com isso.


Dado o destino de muitas bandas e personalidades do grunge, você se considera um sobrevivente?

Não, nem um pouco.


Em que momento você percebeu o impacto do grunge na cultura popular? 

A gente já achava que era enorme em 1989, antes mesmo de cruzar para o mainstream, o que aconteceu em 1991. Mas, naquela época, tudo estava restrito a fanzines e rádios universitárias. Depois, passou a ser coberto pela Rolling Stone e pela Spin, mas o choque foi quando começou a aparecer em revistas como Time e Newsweek. Aí percebemos que tinha extrapolado o universo da música e entrado na cultura pop como um todo. Foi meio surreal.


Pensando nos dias de hoje, com a realidade das plataformas digitais e sem a MTV… você consegue imaginar um movimento de massa como o grunge acontecendo novamente e trazendo o rock de volta ao centro das atenções?

Não sei… acho que com as plataformas de streaming, há menos foco em um único movimento. Quando existiam gatekeepers como a MTV ou as rádios comerciais, que tocavam apenas certas coisas, era isso que as pessoas consumiam — a menos que fossem colecionadores de discos, aqueles que iam às lojas e cavavam entre os vinis para encontrar algo novo. Mas a maioria das pessoas ouve música de forma passiva, né? Elas ouvem algo no rádio ou na MTV e pensam: “Ah, isso é bom o suficiente”.

Agora, com o streaming, tudo é movido por algoritmos. As pessoas até podem ouvir uma música que gostam, mas raramente vão além disso, não pesquisam mais sobre o artista. Você pode ver isso analisando o número de streams de um álbum: às vezes, uma música que tocou em um programa de TV tem milhões de reproduções, enquanto o resto do disco mal passa de alguns milhares. Então, não é como se as pessoas estivessem realmente curiosas sobre os artistas, elas só querem ouvir aquela única música.

Ao mesmo tempo, existe um lado positivo nisso. Hoje, há uma quantidade enorme de música disponível na ponta dos dedos, e acho isso incrível. Algumas pessoas, especialmente as mais curiosas, se tornaram verdadeiros “onívoros musicais”. Elas escutam diferentes gêneros e gostam de tudo igualmente, sem essa necessidade de se rotular como punk, country ou qualquer outra coisa. Simplesmente ouvem o que querem e pronto.

Mas, por outro lado, quando os recursos eram mais limitados e você comprava um disco de cada vez, era quase obrigado a ouvi-lo repetidamente. Mesmo que não gostasse de cara, acabava dando várias chances. Às vezes, o disco era ruim e você nunca mais voltava a ele, mas outras vezes acontecia aquele momento de virada, em que algo fazia sentido e expandia sua percepção musical. Por exemplo, ouvir um disco como “Trout Mask Replica” (1969), do Captain Beefheart… Ninguém entende aquilo na primeira audição! Você precisa escutar várias e várias vezes. Talvez, no fim, ainda ache uma merda. Ou talvez perceba que aquilo é simplesmente genial.


Que sentimento vem à mente quando você pensa no passado?

O passado? Para ser sincero, não penso muito nele, a não ser quando alguém me pergunta. Não sou do tipo que fica remoendo e pensando “ah, aqueles eram os dias, queria poder voltar”. Porque não quero. Estou mais feliz agora do que nunca estive. Só é uma pena que meu corpo tenha 63 anos.


“Estou mais feliz agora do que nunca estive”. Pode falar um pouco mais sobre isso?

Bom, na minha vida pessoal, estou feliz com onde estou. Não sou mais um jovem de 20 anos com o coração partido… [Risos.]



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