ENTREVISTA com Henrik “Henkka” Klingenberg: “Hoje, aceitamos que o Sonata Arctica é uma banda de power metal”
Celebrando mais de duas décadas como tecladista do Sonata Arctica, Henrik “Henkka” Klingenberg conversou com este jornalista às vésperas de mais uma passagem da banda pelo Brasil — desta vez como uma das atrações do festival Bangers Open Air, que acontece em maio. Na entrevista, o músico finlandês falou com entusiasmo sobre o carinho dos fãs brasileiros, as memórias marcantes de shows no país e o sentimento de “festa garantida” que acompanha cada visita ao nosso território desde a primeira turnê em 2002. “A culpa é de vocês”, brinca ele, ao explicar por que os shows por aqui são tão especiais.
Henkka também comentou a atual fase do grupo, marcada pelo novo álbum Clear Cold Beyond (2024), que retoma com força total o power metal melódico das origens da banda. O tecladista fala sobre essa espécie de “reboot” estilístico como um retorno natural após anos explorando sonoridades mais suaves e acústicas. Entre histórias de estrada, reflexões sobre os desafios da cena musical atual e lembranças do disco Reckoning Night (que completa 20 anos), ele deixa claro que, mesmo após cerca de 1500 shows com o Sonata Arctica, a paixão por estar no palco continua viva — e que os fãs brasileiros podem esperar uma apresentação intensa e acelerada no Bangers Open Air.
Por Marcelo Vieira
Foto: Jaakko Manninen/Divulgação
O Sonata Arctica tem uma presença forte e constante no Brasil, e o carinho dos fãs brasileiros é evidente. O que torna os shows no Brasil tão especiais para a banda?
Bom, acho que a culpa é de vocês, porque os fãs sempre demonstram muita empolgação. Sempre foi uma experiência incrível para a gente, especialmente vindo da Finlândia, onde o público costuma ser mais contido e não se envolve tanto. Desde a primeira vez que fomos ao Brasil [em 2002], já fomos surpreendidos pela reação do público — foi algo realmente marcante. E isso nunca mudou. Toda vez que voltamos, parece uma grande festa. Estou realmente ansioso para embarcar rumo ao Brasil novamente.
Você guarda alguma lembrança especial de shows anteriores no Brasil?
De todo tipo! Sempre que me perguntam isso, começo a pensar… “Peraí…” Mas, no geral, a experiência sempre foi muito positiva. Lembro da primeira vez em que fomos ao Rio, da primeira vez em São Paulo… As memórias que mais ficam são justamente essas primeiras visitas a lugares onde nunca havíamos estado antes. Porque, veja, acho que já fiz cerca de 1500 shows com o Sonata Arctica. Então, sim, lembro de algumas coisas do Brasil, mas com o tempo tudo começa a virar uma névoa. O que realmente fica é o clima geral, a energia. E, claro, agora que nosso inverno está virando primavera e o tempo aqui ainda está péssimo, penso no Brasil e lembro que vocês nunca têm esse tipo de problema por aí.
Vocês tocam no festival Bangers Open Air em maio. O que o público brasileiro pode esperar desse show?
Nosso show atual está mais acelerado do que nos últimos anos. Com o nosso álbum mais recente, voltamos a flertar com o power metal, e isso também se refletiu nas apresentações ao vivo. Pode esperar mais músicas da velha guarda, e o estilo agora está mais voltado ao power metal novamente. Já tivemos nossas fases mais progressivas e sinfônicas, mas agora a energia subiu bastante em comparação à última vez.
O setlist vai trazer alguma surpresa especial para marcar esse retorno?
Bem, depende do quanto você anda navegando na internet. Pode ou não ser uma surpresa! [Risos.] Mas, sendo sincero, voltamos a tocar “Wolf & Raven” e “San Sebastian”, e acredito que vamos incluí-las nesse show também. Não sei exatamente quanto tempo de palco teremos no festival, então talvez tenhamos que cortar algumas faixas — mas duvido que cortemos essas. Pelo menos essa é minha opinião pessoal, então não me culpem se alguém decidir o contrário. De qualquer forma, acabamos de voltar do Japão, e o setlist que tocamos lá deve ser bem próximo do que apresentaremos aí. Então, se você quer ser surpreendido, melhor não procurar na internet.
Em um festival como o Bangers Open Air, vocês dividem o palco com várias outras grandes bandas de metal. Esse ambiente influencia a performance de vocês?
Sim, com certeza. Claro que depende, mas em geral, acho que quando você está num festival com outras bandas — especialmente aquelas que você conhece e com quem costuma tocar — cria-se um clima de irmandade muito bacana. E quando tem outras bandas finlandesas envolvidas, a gente sente ainda mais vontade de mostrar do que a Finlândia é capaz. Então, sim, isso acaba dando um impulso extra na nossa performance.
Sobre o novo álbum Clear Cold Beyond (2024), a divulgação enfatizou um retorno às raízes do power metal melódico dos primeiros discos. Essa foi uma decisão consciente da banda?
Sim e não. Sempre que se fala em “voltar às raízes”, isso pode soar um pouco enganoso, porque não somos mais as mesmas pessoas de 30 anos atrás. Mas voltar ao power metal é uma definição mais precisa. Podemos dizer que esta é uma nova versão do power metal do Sonata Arctica — tipo “versão 2.0”. O que levou a isso foi uma sequência de coisas: o álbum anterior, Talviyö (2019), acabou indo mais para o lado do rock dos anos 1970, foi um disco bem suave para os nossos padrões. Aí veio a pandemia, e fizemos dois álbuns acústicos [Acoustic Adventures Volume One e Volume Two (2022)]. Depois, partimos para uma longa turnê acústica — foram 10 semanas na estrada tocando esse material. Em determinado momento, todos sentimos que aquilo já não nos representava mais. Foi uma experiência divertida, mas passamos alguns anos nesse clima mais calmo. Até que o Tony [Kakko, vocalista] disse: “Acho que estou pronto para voltar ao power metal”. E quando ele mostrou as demos, pensamos: “É isso!”. Foi um movimento natural. Quando você vai muito para um lado, chega uma hora em que precisa voltar.
Falando por você: esse retorno ao som mais pesado veio também de um certo cansaço com as baladas e os elementos orquestrais?
Na verdade, não. Fazer dois álbuns acústicos sendo tecladista de uma banda de metal foi muito interessante. Você acaba tocando muito mais, explorando sons diferentes e usando timbres variados — então foi enriquecedor. Mas não é o tipo de som que faz o chão tremer, sabe? E eu curto esse rock pesado, enérgico. Foi uma aventura legal e tem gente que pergunta se vamos repetir. Talvez, um dia. Mas agora, se alguém menciona isso, o resto da banda já começa a jogar pedras! [Risos.] Então, quando estivermos prontos, quem sabe — daqui a uns 10 anos, talvez. Por ora, estamos muito felizes em voltar ao som mais pesado e mandar ver no palco de novo.
Existe alguma mensagem ou sentimento em particular que vocês esperam transmitir com Clear Cold Beyond?
Bom, essa é uma pergunta difícil. Acho que o que tentamos passar nesse álbum é que tocar música é algo divertido. E, acima de tudo, não tentamos ser algo que não somos. Aceitamos que o Sonata Arctica é uma banda de power metal — é isso que os fãs querem, e é isso que nós também queremos. Espero que a gente não precise fazer tantas “aventuras” nos próximos álbuns. Foi muito bom trabalhar novamente com o Mikko Karmila, que fez a mixagem, para trazer de volta aquele som clássico que todos conhecem. Então, se tiver alguma mensagem, talvez seja essa: você sempre pode recomeçar.
Seu primeiro álbum com o Sonata Arctica foi Reckoning Night (2004), que completou 20 anos em 2024. Olhando para trás, qual foi a importância desse disco para a trajetória da banda?
Foi um momento bem marcante. Acho que os três primeiros álbuns [Ecliptica (1999), Silence (2001) e Winterheart’s Guild (2003)] tinham uma pegada parecida, e o Reckoning Night trouxe um lado um pouco mais progressivo. Foi também curioso, porque o Tony queria que eu tocasse muitos teclados nesse álbum — nos três anteriores, ele mesmo tocava quase tudo. O problema foi que ele queria que eu tocasse bastante… mas também queria tocar bastante ele mesmo! Então acabou ficando um monte de camadas de teclado, uma em cima da outra. É tanto teclado que parece que o som está congestionado, tipo nariz entupido mesmo! [Risos.] Mas, pra mim, foi uma estreia importante, a primeira vez que realmente trabalhamos juntos em estúdio — antes disso eu já tinha feito turnê com a banda. Claro que hoje sabemos que exageramos, mas tem músicas ótimas nesse disco, como “Don’t Say a Word”, que até hoje está no repertório ao vivo. Então, para mim, foi essencial. Para a banda… depende do ponto de vista.
Como você vê a evolução do som e do processo de composição da banda entre Reckoning Night e Clear Cold Beyond?
É uma longa jornada, sem dúvida. Acho que a essência do Sonata Arctica sempre foi essa: quando o Tony compõe, ele faz metal, mas sempre com um toque diferente do que as outras bandas estão fazendo. Essa é, pra mim, a proposta central da banda. E a evolução do som do Sonata é, em grande parte, uma evolução da forma como o Tony compõe. Claro que cada vez que ele nos traz as demos, o processo de arranjo é influenciado pelos músicos que estão na banda naquele momento. Mas quando tocamos juntos, automaticamente aquilo se transforma em Sonata Arctica.
Hoje ele tem um projeto solo com outros músicos, e mesmo que ele continue escrevendo, o som é totalmente diferente. Se eu pensar rápido nos nossos discos, os quatro primeiros têm uma sonoridade parecida, com pequenas variações. A partir do Unia (2007), veio uma guinada que dividiu bastante o público — foi um álbum bem progressivo. Lembro que depois do Reckoning Night, o Tony disse: “Quero fazer algo que não seja power metal.” E ele mostrou as músicas novas, e a gente respondeu: “Beleza, vamos tentar.”
Depois disso, fomos e voltamos em termos de estilo. O The Days of Grays (2009) é bem sinfônico. O Stones Grow Her Name (2012) é quase um disco de hard rock, e o Tony até comentou depois: “Ficou hard demais, mas foi porque vocês queriam.” E a gente: “Sim! Foi divertido!” [Risos.]
Acho que tivemos sorte de ter fãs compreensivos. Mesmo quando a gente resolve experimentar, eles não nos abandonam. Então sim, tem sido uma trajetória interessante.
A indústria da música mudou bastante desde os primeiros dias do Sonata Arctica. Quais são os maiores desafios de ser uma banda de metal nos dias de hoje?
Olha, os desafios são muitos. Hoje em dia, o maior deles é o custo — tudo está mais caro. Fazer uma turnê acontecer, por exemplo, é muito mais difícil.
Mas acho que o pior mesmo é para quem está começando agora. Hoje qualquer um pode gravar alguma coisa e lançar na internet, o que é ótimo por um lado, mas cria um volume absurdo de música. É tanto material novo que está fora de controle. Se eu e você decidíssemos começar uma banda hoje, mesmo fazendo a melhor música do mundo, talvez ninguém escutasse. Simplesmente porque tem muita coisa sendo lançada.
Eu gosto de acreditar que, se você faz uma música boa de verdade, alguém vai descobrir. Mas conheço muitas bandas talentosas que nunca chegaram a lugar algum — e isso é triste.
Sou muito grato por o Sonata ter começado numa época em que era mais fácil ser ouvido. Se você era ruim, as pessoas esqueciam. Mas se tinha algo especial, você tinha uma chance real. No nosso caso, conseguimos continuar por tanto tempo graças aos fãs. Sem eles, não estaríamos aqui. Então, sinceramente, fico feliz por não ter que começar do zero hoje. Mas desejo boa sorte a quem está tentando.
Para você, qual é o significado pessoal de ter dedicado sua vida à música e de compartilhar essa paixão com fãs ao redor do mundo?
Desde muito jovem, meu sonho era tocar rock. Nem tanto ser um astro do rock, mas sim um músico de verdade. Na adolescência, toquei em várias bandas, em pubs pequenos, tentando fazer o que fosse possível.
Foi muito marcante quando vi que o Sonata Arctica estava procurando um tecladista. Eu estava na universidade na época. Vários amigos me avisaram: “Você viu que eles estão procurando alguém?” E eu senti que era o momento certo. Meu maior medo era não conseguir nem uma audição. Porque, se eu conseguisse e estragasse tudo, aí a culpa seria minha mesmo. [Risos.] Mas felizmente consegui.
Claro que eu esperava que, ao entrar na banda, isso virasse algo duradouro. E no começo é tudo tão incrível — viajar o mundo, tocar rock — que você fica esperando o momento em que o sonho vai acabar. Mas o tempo foi passando… e não acabou! Já se passaram muitos anos, e essa banda se tornou uma parte enorme da minha vida. E eu sinceramente não quero pensar no dia em que isso vai terminar. Espero que esse dia esteja bem distante.
Quais são os próximos passos e ambições do Sonata Arctica?
Agora vamos fazer alguns shows e depois cair na estrada para os festivais. Devemos estar em turnê até meados de outubro. Depois disso, começamos a trabalhar no próximo álbum. E no ano que vem, o Sonata Arctica completa 30 anos! Vamos comemorar com uma turnê especial de aniversário, com shows focados nessa celebração. E aí seguimos — mais um álbum, mais uma turnê. Vamos ver até onde conseguimos chegar. Mas eu espero que ainda dure bastante.
Alguma mensagem para os fãs brasileiros?
Muito obrigado por sempre comparecerem! É sempre maravilhoso voltar ao Brasil. Eu, pessoalmente, não sou muito fã de inverno, então estar aqui é ótimo. Fico impressionado com o carinho e o entusiasmo de vocês. Somos muito gratos por isso. E se preparem: vamos trazer o bom e velho power metal raiz para vocês. Vai ser divertido!
O Sonata Arctica se apresenta no palco Hot Stage do Bangers Open Air no dia 3 de maio (sábado), das 15h20 às 16h20.
Comentários
Postar um comentário